Uma curva no meio do caminho

O designer e arquiteto Ricardo Rangel procura imprimir sua identidade tanto nos projetos que executa quanto nas peças que cria

Insta: Ricardo Rangel

A fachada em tijolinho, que harmoniza um grande arco com a porta retangular em madeira e vidro, são ingredientes que podem antecipar que o interior da construção reserva algo especial. Os lustres laterais de época e a logo redonda e preta com um grande R vasado que faz parte desse conjunto reforçam essa ideia. Ao entrar para conhecer o espaço onde o designer e arquiteto Ricardo Rangel cria suas peças, é possível, num primeiro momento, entender um pouco desse algo tão especial que o prédio, visto de fora, insinua. Em um pequeno showroom, com poltronas, mesas e outros objetos, cadeiras, algumas pousadas no chão, outras dispostas na parede, é possível se ter uma pequena amostra do que o profissional tem desenvolvido.

Atentos a todos os detalhes, eu e Leopoldo vamos percorrendo o olhar com cuidado. Impossível querer que uma história construída se revele instantaneamente. Ricardo nos recebe e depois de um breve momento ali, nos conduz da casa, onde está o ateliê de prototipagem de seus móveis. Depois subimos para o escritório, que naquele dia estava vazio, mas onde uma equipe de arquitetos tem trabalhado com afinco, principalmente depois que a pandemia começou, já que a demanda de todos os setores correlatos à casa aumentou significativamente.

Além de Ricardo, o gato Sushi nos acompanha dando boas-vindas. É como já fosse íntimo da gente. “Quando o vi da primeira vez, ele ficou do meu lado por três dias, foi impossível não trazê-lo para morar aqui”, conta Rangel, que faz questão de deixar claro que o animal é livre. Entra ou sai pela rua quando bem entende.

Essa mesma liberdade tem acompanhado o trabalho do arquiteto não só nos projetos, como nos móveis que desenha, nos quais busca imprimir sua identidade. “Procuro não me contaminar. É algo que valorizo não só no meu trabalho, como em qualquer situação da vida. Gosto de coisas diferentes”, diz Rangel. Ele nos conta sua história aos poucos. Filho de pais arquitetos, Ronaldo Rangel e Marília Palhares, até certo momento, ele nem cogitava seguir na mesma profissão. Na hora de escolher uma profissão, entretanto, acabou se encontrando na arquitetura.

Durante o período de faculdade, estagiou com o pai nos dois primeiros anos e, na sequência, na D’Avila Arquitetura. “Lá, ganhei uma boa base. É um escritório muito ativo e aprendi muito no período do meu estágio”, lembra. Dois anos depois, estava de volta ao escritório do pai e, antes mesmo de se formar, aos 23 anos, foi brindado com uma encomenda que costuma ser um sonho para qualquer profissional: desenvolver um projeto desde a base até o mobiliário. “Desenhei tudo e fiquei muito feliz com o resultado. Me encantava acompanhar todo o processo, ver tudo se consolidando. Foi uma satisfação muito grande.”  Vieram outros projetos a partir de então, nem sempre com a mesma demanda. “Achei que todos os outros seriam da mesma maneira, mas a realidade não tem muito a ver com isso”, revela.

Mesmo assim, a familiaridade com a marcenaria colaborou muito para que Rangel se entusiasmasse por esse lado do seu trabalho. “ Sempre tivemos uma parceria com uma marcenaria que trabalhava praticamente só para nós. A gente costumava brincar que era a “nossa marcenaria”, embora fosse de um fornecedor. Em 2017, o dono ficou doente e morreu e acabamos ficando na mão de outros fornecedores que não conseguiam nos atender da mesma maneira”, lembra Rangel que, naquele momento, resolveu abrir o próprio ateliê.

O projeto engrenou e começaram a surgir novas demandas. Como funciona tudo em uma mesma construção, hoje Rangel divide seu tempo entre o ateliê de prototipagem e o escritório de arquitetura. Ao ser perguntado como funciona seu processo criativo, Rangel diz que muitas vezes desenha uma peça pensando que está fazendo algo para si próprio, o que permite que sua alma aflore naquilo que projeta. “ Gosto muito do art déco, que acredito ser algo do meu inconsciente, gosto da curva e gosto de pensar nessa história que estou fazendo algo que poderia ser para mim, mesmo tendo que trilhar dentro da expectativa do cliente”, explica.

Vendo o trabalho de Ricardo Rangel de perto é possível perceber como ele se preocupa com a técnica, a forma e a ergonomia, sem perder a poesia dos detalhes. “Eu já desenhei um pouco de tudo, mesa de jantar, mesas menores, cadeiras e poltronas”, diz ao revelar que entre suas criações prediletas está a penteadeira batizada de Gaivolta, com uma leitura art déco. Atualmente, em um projeto que está em desenvolvimento, para um apartamento em Brasília, ele se lança em um novo desafio, o de desenhar uma luminária. Ele sabe que, além criar uma peça, no caso exclusiva, ela ainda terá que passar pela aprovação do cliente. Mesmo assim, Ricardo Rangel sabe que ela terá a sua identidade, algo que não escapa aos profissionais criativos.

FOTOS GENTILMENTE CEDIDAS PELO DESIGNER

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