Um novo olhar sobre velhos conhecidos

Recém lançado, livro de Neuroarquitetura amplia o conhecimento sobre assunto e propõe uma nova forma de pensar o mundo construído

Insta: Ana Paula Guedes

Da mesma forma que o ambiente construído é transformado pelo ser humano, também o espaço pode afetar consideravelmente as pessoas em múltiplas dimensões. Cada vez mais, os estudos científicos das últimas décadas fortalecem a importância da arquitetura na saúde humana, tanto física quanto mental. Muito mais do que os próprios projetistas imaginavam. Habitamos o espaço, seja ele uma sala, seja um edifício, seja uma rua, seja uma cidade.  Viver é interagir constantemente com variados estímulos ambientais que guiam nossas emoções, pensamentos e comportamentos. Desde a forma das coisas até elementos que podem parecer um detalhe – como padrões, luz, cor, sons e texturas –, os espaços nos afetam constantemente, sem sequer percebemos que isso está acontecendo. Como isso acontece? Por que isso acontece?

Com esses questionamentos em mente, a arquiteta Ana Paula Gudes, junto a outras quatro profissionais, Nicole Ferrer, Marie Monique Paiva, Julia Fonseca e Vilma Villarouco (que faleceu no dia 20 de junho) mergulharam no assunto e são as autoras do livro que acaba de ser lançado: Neuroarquitetura – a neurociência no ambiente construído (Editora Rio Books), que esmiúça o tema com muita competência. Em buscas de respostas, elas avançaram nos estudos aprofundando-se nas questões da mente frente ao ambiente construído e sentindo a necessidade de um maior entendimento acerca de como as pessoas percebem os ambientes, de como eles as impactam, e de como essa relação mútua acontece.

Desde o começo, elas entenderam que não seria possível esse mergulho na cognição e percepção humanas, sem a apropriação dos conhecimentos da neurociência. Esse foi o pano de fundo do cenário que uniu uma psicóloga com mestrado em neurociências às quatro arquitetas que já se encontravam em uma sala de aula do curso de Pós-graduação em Neurociências Multiprofissional, estudando neurofisiologia, neuroanatomia, circuitos neurais, neuroquímica, cognição, processamento de imagens e emoções, mergulhando nas memórias e nas neurométricas, dentre tantas outras disciplinas desafiadoras para pessoas da área da arquitetura.

 A obra é introduzida estabelecendo relações entre a arquitetura, a psicologia ambiental e a neurociência. As autoras percorreram uma trajetória da evolução destes estudos incorporando as próprias reflexões a alguns materiais de autores que têm colaborado na construção do conhecimento na área, por meio de publicações na literatura especializada.

O texto se debruça em questões da cognição: atenção, percepção, aprendizado, memória, consciência e emoções. Esses processos são extremamente importantes para o entendimento da interação ambiente-cérebro e se conectam diretamente com o sistema sensitivo humano: visão, audição, tato, olfato, paladar, interocepção e propriocepção.

Em um dos capítulos, é feita uma introdução da neurociência aplicada à arquitetura e essa nova forma de projetar. Estabelecem-se relações entre mente, meio e comportamento, fazendo uma ponte com as dimensões das emoções, percepção, cognição e psicologia ambiental, a fim de posicionar a neurociência em sua aplicação na arquitetura. Na sequência, nos é oferecido noções de espacialidade, traçando um paralelo entre arquitetura e percepção humana do ambiente: navegação espacial, simbologias e emoções, com exemplificações a partir de edifícios emblemáticos da arquitetura.

Nesse ponto, o livro trata ainda do projeto da vivência no ambiente construído e sua relação com o bem-estar das pessoas, em um texto que combina teoria e prática arquitetônica e desperta o desejo de saber mais sobre cheios e vazios, luz e sombra, proporções e percepções, ferramentas do fazer projetual. Essa seção foi pensada para apresentar de forma didática uma evolução da complexidade do espaço: a bidimensionalidade da imagem, com a percepção visual; a tridimensionalidade do ambiente, com a percepção espacial; e a inserção da quarta dimensão na experiência humana, a progressão temporal.

O livro também contempla experiências práticas, apresentando como a neurociência tem sido utilizada para o entendimento das reações do cérebro frente a características de ambientes construídos. A certa altura, ele apresenta uma pesquisa que trata da neuroarquitetura em ambientes residenciais. O trabalho avaliou salas residenciais de pessoas idosas, utilizando a conjugação da realidade virtual imersiva (RVi) com a eletroencefalografia (EEG), com o objetivo de identificar ativações cerebrais para as variáveis de valência emocional, atenção e memória no grupo pesquisado.

Há ainda o enfoque de uma experiência desenvolvida no Nordeste brasileiro, onde princípios, teorias e técnicas da neurociência são aplicados em uma pesquisa na temática da acessibilidade de pessoas com cegueira no espaço urbano. O estudo observou as respostas neurais dos sujeitos ao realizar trajetos na cidade a partir de instruções verbalizadas e mapas táteis. Não faltam reflexões acerca do mercado da neuroarquitetura como uma nova forma de projetar. O texto destaca que por sermos pessoas diferentes, precisamos de soluções também diferenciadas. O livro não tem a pretensão de esgotar o assunto. As autoras dizem que, longe disso, encararam a aventura de escrever um livro nessa temática como forma de iniciar uma discussão proveitosa e cheia de potencial.

A maioria do material de qualidade que existe hoje sobre neuroarquitetura está em inglês e em âmbito acadêmico, inacessível para boa parte do público brasileiro. Também o material de neurociência está condensado nas áreas da saúde, com um vocabulário especializado e de difícil compreensão para arquitetas e arquitetos. Essa obra amplia esse conhecimento junto à comunidade de projetistas que se interessam e se encantam com a forma como o nosso mundo construído pode nos afetar, assim como ele pode guiar nossas vidas.


CAPA: Ferrovia Túnel do Amor, Ucrânia.

DESTAQUES

Ouça nossas playlist em

LEIA MAIS

Presente imperativo

A demanda de construir uma casa em tempo mínimo não impediu ao escritório Bloco Arquitetos, de Brasília, de superar expectativas

O Sertão é Ser Tão

Exposição em SP, da AM Galeria de Arte, encanta e surpreende ao mostrar o traço comum dos artistas ali reunidos

Atração e repulsa

Ruídos, exposição da artista Berna Reale, em cartaz no CCBB BH, apresenta um recorte da extensa produção da artista paraense

Muito além dos muros do museu

Série audiovisual Caminhadas, lançada recentemente pela Oficina Francisco Brennand é um convite para uma jornada pela de redescobertas e inspiração

plugins premium WordPress