Um bar com alma e muita história para contar

À frente do Drosophyla, que teve início em Belo Horizonte e hoje reina em São Paulo, Lilian Malta Varella divide um pouco de sua personalidade com esse lugar que, muito mais que um bar, é uma experiência.

Insta: @drosophylabar

Muitas histórias marcaram o Drosophyla, tanto em Belo Horizonte como em São Paulo, em todos os endereços em que ele esteve. Bom, primeiro, vamos deixar claro que o Dró, como é chamado carinhosamente, não é simplesmente um bar e eu queria começar essa matéria de trás para frente do que você está lendo agora. Mas como aprendemos principalmente nesses momentos estranhos pelos quais estamos passando, que o aqui e agora é o que importa (embora também importe o que veio antes como você vai ler no transcorrer dessas linhas), vamos direto ao belo casarão da rua Nestor Pestana 163, no bairro Consolação, Centro de São Paulo.

Imagine uma casa dos anos 1920, obviamente tombada pelo patrimônio histórico, toda original, e que esteve fechada por 20 anos. O primeiro obstáculo foi conseguir aluga-la. Resolvido o problema, um ainda maior estava por vir: foi praticamente um ano de um minucioso trabalho de restauro, que teve à frente o mineiro Alexandre Mascarenhas, em uma casa nada fácil de executar essa tarefa. Tudo acompanhado de perto pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da cidade de São Paulo. Ao término, o CONPRESP não só elogiou o trabalho feito, como enviava pessoas para irem ao bar para ver como se faz um restauro profissional.

Além da bagagem histórica que a casa carregava, a proprietária Lilian Varella acrescentou toques bastante inspirados, criando um conceito quase lúdico para o espaço, dessa vez batizado de Drosophyla Madame Lili (Ele já teve vários outros codinomes). Lili Wong, a personagem que nasceu durante o período de restauro, segundo a imaginação da proprietária, veio para o Brasil em 1920, indo direto morar com o marido, o alemão Hans Senenfelder, na mencionada casa. “Lili Wong era poetisa e também adorava pintar. Além dos saraus, promovia bailes inesquecíveis no casarão, que incendiavam a cidade”, diverte-se a empresária.  

A casa, em estilo ‘’Cottage’’ com influência germânica, faz parte da história de São Paulo e, através dela é possível ver toda a riqueza e opulência da burguesia da época. O projeto arquitetônico é atribuído ao arquiteto Adelardo Soares Caiuby e, em sua maioria, a casa é constituída de madeiras de lei do início do século 20.

Cada detalhe foi pensado para reinterpretar a história da fictícia Madame Lili. As áreas internas permanecem com as madeiras originais: o piso das salas do térreo, por exemplo, é um primoroso trabalho em imbuia, pau marfim e peroba rosa. Já a madeira das paredes é o Jatobá. Tanto na sala nobre, onde fica o bar, quanto na pré-sala, foi feito um cuidadoso restauro da pintura das paredes: dá até para pensar que é papel de parede, mas não é, é a pintura original, com flores e pequenos desenhos. Chama a atenção o balcão retroiluminado em ônix do Irã e as prateleiras suspensas, encaixadas em uma base de concreto, já que, por ser tombada, nenhum prego ou parafuso poderia tocar as paredes. “Foi um processo muito complicado e a equipe de arquitetura conseguiu encontrar soluções importantes para o que tínhamos em mãos”, lembra Lilian. Já nos cômodos do andar de cima, foi possível usar cores. É o caso da Sala Xangai, que homenageia a personagem Madame Lili, em laranja e papel de parede que a proprietária trouxe diretamente da região que deu nome ao espaço.

Aos poucos, os espaços foram foi ganhado ares déco com a mescla da coleção pessoal de memorabilia chinesa e com peças antiques adquiridas nas andanças de Lili pelo mundo. “Acho que nasci ‘’Globetrotter’’! Sempre gostei de viajar e minha paixão sempre foi colecionar coisas. Imagina a mistura bombástica: viajar e colecionar. Por isso, no bar tem muitas e muitas peças de todas as partes do universo.”

Para a empresária, todo lugar tem que ter alma e, neste bar, a alma está em cada parte dele. “Criei a decoração com objetos e peças originais que trouxe de viagens à China, Índia e lojas de antiguidades mundo afora. Detesto lugares que possuem lembranças sem memórias. São aqueles lugares decorados por outras pessoas e não tem nenhuma história para contar”, diz. E completa: “bar deve proporcionar experiência para quem o frequenta. É muito sem graça ir a um bar ou restaurante que não te passa essa sensação. Você foi, sentou, tomou um drink e saiu sem levar nada na sua bagagem mental”. O Drosophyla Madame Lili, pode ter certeza, é exatamente o oposto dessa ideia.

Muita história para contar

Sabe aquela história, “é um pássaro, é um avião???” Pois é, ela não cabe aqui. Mas quem conhece o Drosophyla desde os primórdios, quando abriu suas portas, isso lá em 1986, num cubículo que nem banheiro tinha, no bairro Santo Antônio, em Belo Horizonte, já dava para fazer a pergunta: É um bar? Era e já encantava uma turma alegre, entre artistas e pessoas das artes, seja lá o que isso for, que batia ponto no local. O mais incrível era quem a cada mudança de endereço, o que aconteceu algumas vezes, o Drosophyla conseguia se superar.

De lá, ele aterrissou, logo no ano seguinte, em um apartamento num bairro longe do burburinho daquilo que era considerado o point dos bares de BH. Ficava no primeiro andar, perto de galpões de reciclagem de garrafas e ferro velho. Virou sucesso. Nem quando os proprietários, os sócios Guilherme, Cibele e Lilian Varella, para desespero dos frequentadores, fechavam tudo e deixavam um bilhetinho na porta: fomos viajar, voltaremos em breve, baixava os ânimos. Na volta deles, era a mesma coisa: não murchava nada o desejo de ir par lá. Lotava.

Cinco anos depois e a próxima parada do Dró, como todo mundo sempre o chamou carinhosamente, era um galpão de mais de 700 m2, datado de 1910, numa região com quase nenhum predicado de beleza. Ficava atrás do Parque Municipal, numa zona bastante degradada da cidade. E, de repente, tudo aquilo parecia uma ilha de sonhos e loucuras, com uma decoração bem vanguarda para a época, ao estilo de Nova York e Berlim, com tapetes, sofás e muitas, muitas poses.

Batizado de Halle Drosophyla – Mult Club o bar conseguia essa magia de mudar o polo da noite de BH, para quem queria se divertir em um lugar inusitado, cheio de estilo e com a arte sempre por perto. De shows de “ilustres desconhecidos” como Chico Science e Mamonas, à banda Jota Quest, lançada ali, naquele endereço, que batia ponto por lá todas as quintas-feiras.

Desde o começo era assim, a cada noite uma surpresa boa, fosse uma exposição, um show, uma performance ou teatro. Uma festa divertida que podia ter acabado assim: aí a dona do bar casou, mudou e não me convidou. Mas é mentira, viu? E é um pouco verdade também. A intrépida Lilian Valella, sempre à frente dessa história memorável (e acredito que também à frente do calendário do resto dos mortais), casou-se em uma noite apoteótica que todo mundo que presenciou jamais esqueceu, em Ouro Preto com Tom Dwyer e depois, bom, depois, fez as malas e não foi para Belém, mas para São Paulo.

E como todo show deve continuar, em 2002 lá estava ela, Lilian Varella, em uma casa moradia dos anos 1940, transformada em um lugar original sem precedentes. Por lá, a noite reinou por 13 anos, até que a dona Especulação Imobiliária bateu à porta e o bar foi convidado a se retirar do endereço. Não antes sem sair uma matéria na revista Wallpaper, de Londres, cobrindo o bar de elogios e também na francesa IDEAT, eleito entre os 100 melhores bares do mundo. Como diz Lilian, a nossa querida Lili, tudo conseguido com muito esforço, trabalho e criatividade. O que veio depois, está no início dessa matéria.

Fotos: Lufe Gomes – @lifebylufe  e  Alexandre Disarò – @alexandredisaro

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