Artista de peso internacional, a mineira Laura Belém utiliza diferentes linguagens para nos transportar para outras dimensões com sua obra
Insta: LAURA BELÉM – GALERIA CELMA ALBUQUERQUE
Admirar o mundo da janela do avião e ver música no descongelar de icebergs. Escutar uma canção antiga e começar a criar instantaneamente. Observar pessoas em movimento, ocupando um espaço público e transpor a cena para outra dimensão, outras composições. Cada artista tem seu processo criativo que quase sempre não é um só caminho, não vem de uma só fonte.
Para nós, em qualquer conversa com um artista, é quase irresistível controlar a vontade de perguntar: qual ou como é seu processo criativo? A resposta muitas vezes vem longa, outras em poucas palavras e há quem se irrite frente à questão posta. É que o artista não precisa explicar. Somos nós que queremos conhecer mais, ir mais fundo, seja em um filme, um livro, ou um trabalho no campo das artes visuais.
Pensamos nisso antes de conversar com Laura Belém. A artista já expôs em BH, no Rio, em São Paulo, em Portugal, na Holanda, Estados Unidos, Polônia, Itália, Japão entre outros países e outras cidades. Atualmente, está com o trabalho em uma coletiva que se chama “Entre costas duplicadas desce um rio”, no Festival Artes Vertentes, em Tiradentes e prepara-se para mostrar outro inédito, em maio, que ficará exposto nos jardins da Casa De Cultura do Parque, em São Paulo.
Não é só a questão de serem muitos trabalhos realizados até hoje, mas também o fato de Laura trabalhar diferentes linguagens, incluindo a instalação, a escultura, o desenho, a colagem, a fotografia, o som e o vídeo, materiais e técnicas que variam de acordo com a intenção e o conceito de cada projeto, de acordo com os rumos que o processo criativo toma.
Histórias que ilustram pelo menos trechos desse processo não faltam. Há 11 anos, por exemplo, ela foi convidada pela Art Tower Mito Contemporary Art Center, no Japão, para desenvolver um trabalho para uma exposição coletiva. No vôo de ida, quando sobrevoava o Alasca, Laura foi tocada pela imagem que via pela pequena janela do avião. Assistia, chocada e maravilhada ao mesmo tempo, aos blocos de gelo de grandes icebergs se desfazendo na água. Com uma máquina digital comum, fotografou os pedaços de gelo que se dissolviam no mar e, sobre uma seleção dessas imagens impressas, desenhou pentagramas musicais com papel carbono azul. Estas, por sua vez, foram combinadas a desenhos e colagens feitos sobre folhas brancas.
As composições resultantes foram dispostas em 24 estantes de partituras, em frente ao órgão de tubo, situado no hall da instituição japonesa, localizada na cidade Mito-Shi, a uma hora de Tóquio. Batizada de “Sky Notes”, a instalação surpreendeu a própria artista quando, na abertura da coletiva, um músico olhou o trabalho e comentou: ‘Isso pode ser tocado’. Laura ficou curiosa para ver que tipo de música poderia sair de seus desenhos partituras, já que foram criados sem um conhecimento de composição musical.
No final de 2021, esse trabalho foi exposto na Celma Albuquerque Galeria de Arte, em Belo Horizonte. Desta vez, em contexto mais amplo, a exposição foi batizada de “Composição em Retrospecto 2011 – 2021” e reuniu, além de “Sky Notes”, os trabalhos “Noites Carnavalescas” (2015) e “Noturno” (2015). Em todas as obras, o fato de se relacionarem com a música, o som, a repetição e o silêncio.
Os questionamentos de Laura são muitos, na individual online realizada na Galeria Athena, no Rio, também no ano passado, a artista mostrou 11 trabalhos sobre papel – fotografias, colagens, monotipias, desenhos – e um vídeo produzido entre 2017 e 2020. O título da exposição, “O tempo é agora, tempo de espera”, segundo Laura, foi pensado em relação ao momento atual, com a intenção de levantar uma reflexão sobre este momento e sobre como nos relacionamos como tempo. “Sinto que a pandemia nos leva a uma reflexão mais profunda e nos mostra que nada é tão urgente quanto sobreviver. Mas penso também que a incerteza é uma condição da existência humana: ela não é relativa apenas ao momento atual”, comentou em entrevista à Julia Paes Leme.
Perguntamos à artista como ela poderia traduzir a palavra ‘sobreviver’, que usou nessa resposta. “Eu falei isso no sentido de que o mundo contemporâneo tem essa urgência das coisas, que pode atropelar o processo de criação, geralmente mais lento. A pandemia foi uma oportunidade de entender isso, de que é necessário viver de uma forma mais vivente e mais plena. Esse ‘sobreviver’ tem a ver com o cuidar de si e também estar mais presente no aqui, agora. Algo como a urgência de sair de um piloto automático.
A vontade que dá é ficar falando sobre tantas e tantas obras de Laura Belém. Como Enamorados (2004) que propõe um diálogo entre dois barcoscorpo, colocados centralmente sobre as águas da lagoa da Pampulha, em Belo Horizonte. Diariamente, a partir do pôr do sol até a madrugada, os barcos emparelhados um de frente para o outro, trocavam sinais luminosos alternados, como se conversassem ou flertassem. A versão dessa obra, com gôndolas, chegou à 51ª Bienal de Arte de Veneza.
Os barcos estavam ali, presentes, um de frente para o outro e, além da poesia que esse trabalho carrega, a presença física dos dois ‘corpos’ nos faz recorrer ao que a artista nos disse sobre a pandemia ‘que afetou a todos’ indistintamente. Laura Belém diz estar feliz com essa retomada, quando tudo começa a voltar a ser presencial, ao vivo. “Por mais que a gente tenha tido muitos eventos online, que também foram importantes, o papel da arte é afetar esse corpo social de uma maneira positiva. Quando os eventos são presenciais e o encontro com a obra é ao vivo, temos a chance de trocas reais com a arte e com as pessoas de um modo geral”. Que a poesia contida no trabalho da artista e a possibilidade de contato físico com ele seja algo sempre possível. O mundo precisa muito de artistas como Laura Belém.
FOTOS GENTILMENTE CEDIDAS. ACERVO DA ARTISTA.