Pedro Lázaro anda pelo mundo prestando muita atenção e traduz no apartamento em que mora, suas vivências, experiências e sentimentos
Insta: PEDRO LÁZARO
A ampla janela da sala está a poucos metros do Parque Municipal Juscelino Kubitschek, mais conhecido como Praça JK. Há ainda, de um lado, uma bela vista de Belo Horizonte e, do outro, a imponência da Serra do Curral, moldura natural da capital mineira.
Só esses predicados já seriam suficientes para envolver o expectador em vários espetáculos visuais simultâneos. Entretanto, o apartamento oferece outras múltiplas surpresas agradáveis em seu interior. Quem vive aqui é o arquiteto mineiro Pedro Lázaro.
Era de se esperar que o profissional que transita com desenvoltura entre variadas formas de expressão também dominasse a arte de traduzir na própria casa um pedaço um tanto generoso de suas vivências, suas experiências e seus sentimentos. Acontece que Pedro Lázaro consegue surpreender, em cada cantinho do apartamento, com uma mistura de paixão e um jeito todo dele de buscar conhecer a fundo aquilo que o toca intimamente.
Nem pense que, ao conhecer esses ambientes, você irá necessariamente revê-los algum dia da forma como estão. De tempos em tempos ele troca móveis, obras de arte e de design, alterando o layout como se altera o roteiro de um filme sem fim, pelo menos no que permite o pulso enquanto pulsa. E o pulso do arquiteto pulsa forte.
Essa face de Pedro considera o fato de que, como ama a beleza que ele enxerga nas coisas, ele seja também um colecionador. “Tenho o privilégio de ter um galpão cheio de obras de arte e de móveis, que depois quero mostrar a vocês”, ele nos diz. O arquiteto também revela que montar uma estrutura decorativa não o atrai: “Nunca me preocupei com isso. Sempre me cerquei das coisas que eu realmente gosto”.
Por isso, para ele, desde o início do exercício profissional, chegar em casa depois de dias trabalhando e em trânsito por várias cidades brasileiras sempre foi o melhor da história. “Naquela época, tinha dias que eu acordava e não sabia se estava em Porto Alegre, Curitiba ou Manaus, às vezes eu tinha reunião em três cidades no mesmo dia, uma loucura”. Além de sentir que deveria desacelerar, o estresse vivido no início da pandemia foi premiado pelo ter que trabalhar em casa. “Me senti como uma criança de férias”, comenta.
Toda a composição do apartamento, tudo que está ali, tem um significado para o arquiteto ou no patamar simbólico, ou na questão emocional, ou na sua história de vida. “Tem coisas que são de família, tem coisas que comprei em algum lugar do mundo, outras que adquiri por sonho. Já trouxe uma cadeira dentro de avião”, ele se diverte, mostrando os espaços flexíveis, o layout solto do ambiente social.
De repente, vemos um banquinho de Lina Bo Bardi, da Baraúna, queimado de cigarro. “Tem quem se espante. Gente, eu sou assim, tenho minha história, meu jeito de ser. Ele não vai deixar de ser o da Lina, só que tem uma parte minha nele agora”. Em seguida, mostra o piso, também com as marcas do tempo: “Não dou a mínima, afinal ele está contando uma história. Tem gente que tem medo do tempo, né?” Diverte-se, enquanto conta a história de um cliente, no início de carreira, que o questionou sobre a diferença entre mármore e granito e recebeu a seguinte resposta: “um vai durar 100, o outro 150 anos, quantos anos você quer viver?” Damos uma gargalhada nessa hora.
Aliás, o humor delineia não só a conversa como o espaço. Ao ser perguntado sobre as peças que considera mais importantes em sua casa ele solta: “Para mim, ou para o mercado? Não tenho muita distinção disso”. Mas sim, há preciosidades, como uma obra da artista Sarah Lucas, comprada no início da carreira da artista em Londres, em 1992, pautada pela ousadia e atrevimento que lhe são peculiares. Outra, de Marilah Dardot que, ele explica, trabalha a questão da palavra, das dificuldades e do poder da palavra. São muitas as obras, sempre cobertas de significado para terem sido adquiridas.
Pedro sabe da história por trás de tudo o que tem em casa e, para ele, a questão estética que o toca normalmente está vinculada a um grande conteúdo, mesmo que seja descoberto depois. “Nunca gostei de uma coisa que era bonita e era péssima como conteúdo. Na verdade, gosto muito mais de coisas estranhas. Tem coisas que ficam mais lindas ainda quando você entende o processo produtivo do artista”, revela.
A mesa de jantar, por exemplo, é de seu designer predileto, Jean Prouvé (aliás, designer, arquiteto e engenheiro francês), que a desenhou para uma casa desmontável para os soldados franceses durante a Segunda Guerra. Há ricos detalhes históricos e de design, como a estrutura industrial para ser desenvolvida em série, os pés leves e o e tampo desmontável.
O sofá do estar leva a assinatura de Jasper Morrisson, no qual ele viu uma simplicidade que o emocionou. “Não parece ergonômico, não é?” E logo explica como essa ideia é falsa, quando mostra a almofadinha para encosto da cabeça, feita de uma areia superfina. “Sabe uma pessoa que entende e que vai nos mínimos detalhes da possibilidade e da estrutura do essencial para o conforto e para a beleza?”, indaga acrescentando novas informações sobre o designer.
Impossível não se tocar quando ele conta a história das cadeiras que se chama Astânia, de Etel Carmona. “Essas cadeiras têm, pra mim, valor emocional. Primeiro porque foi a Etel quem desenhou em homenagem à Tânia Gontijo, que são dois grandes amores. Outra, que a ergonomia delas é organizada para te pegar no lugar certo, além de serem feitas em uma madeira norueguesa incrível. Tudo isso além de se tratar de uma marcenaria que parece do século 19, algo que a Etel sabe fazer”, ele vai enumerando enquanto, lá fora, a tarde se tinge de laranja antes de ceder lugar para a noite.
“Se eu não morasse nesse apartamento, gostaria de morar em um lugar que tivesse esse mesmo vazio, com esse respiro perante os outros edifícios. Isso é muito raro. Geralmente, ou você está no 25º andar vendo tudo como formiga, ou seu prédio está colado em outro. Não gostaria de morar nesses prédios onde se avista o infinito, porque acho que você fica muito afastado da realidade. Aqui é um longe perto”, explica.
A cidade onde vive, Belo Horizonte, é considerada por ele a cidade mais incrível do planeta. “Não deixo de morar aqui em hipótese alguma. Aqui está toda a minha história de família, de vida”. Embora seja da cidade vizinha, Pedro Leopoldo, o artista se mudou para a capital com 15 anos para estudar. “Percebo que meus valores passam pela cultura daqui. Por mais que eu fique longe, eu nunca foi deixar de morar nesse lugar. Posso ter apartamento onde eu quiser, posso até ficar um ano sem vir aqui, o que já aconteceu. Mas, aqui, me sinto muito confortável porque o que essa cidade e Minas, como um todo, produziram como cultura tem muito a ver com as coisas que eu valorizo”, sintetiza.
FOTOS: LECA NOVO*
*Essa matéria é um desdobramento do projeto O Simbionte, da fotógrafa Leca Novo, apresentado em uma instalação/exposição, na CASACOR Minas em 2021 , que partiu do tema da restrição social imposta pela pandemia e enfocou o morar de diferentes personalidades de Belo Horizonte.