Trabalho da artista Ana Elisa Egreja nos leva por caminhos diversos que merecem calma e emoção, jamais algo como indiferença
Insta: ANA ELISA EGREJA – GALERIA LEME
Ficar parado diante de uma tela de Ana Elisa Egreja pode suscitar um sem número de sensações, menos a indiferença. Em algum detalhe, alguma cor, algum objeto, alguma quina de ambiente, nosso olhar reconhece algo banal para logo depois descobrir algo absurdo.
Como diz o texto de Sofia Lucchesi, “servindo um banquete de referências à história da arte, da arquitetura e às suas memórias afetivas, Ana Elisa vem compondo um vocabulário que mistura o popular ao erudito, com a recorrência de elementos como os vidros-fantasia, padronagens, frutas, animais, o excesso e a própria pintura. Essa gramática é reafirmada e reinventada a cada novo trabalho, numa prática quase obsessiva de pintar repetidamente esses signos,”
“Eu fui indo por um caminho na história da arte que partiu da natureza morta clássica à Sopa Campbell do Andy Warhol. Então, eu penso: como seria a natureza morta de hoje? Como eu faria? Eu ia olhando todos da história da arte, da natureza morta e também pensando no que eu faria hoje. Numa única pintura minha, você pode encontrar menção a sete outros pintores”, explica a artista.
Para criar obras com tantos elementos, coexistem no seu processo de criação dois caminhos: um que é o da artista enquanto colecionadora de imagens, em que armazena referências classificadas por pastas no computador – “tapetes”, “pratos”, “tecidos”, “porcelanas”, entre outros –, e que são utilizadas num procedimento de colagem digital predominantemente utilizado nas suas pinturas de início de carreira, e um outro, que é o da artista enquanto cenógrafa e produtora de objetos. Esse tipo de estratégia criativa surge a partir da série de naturezas mortas vistas através de vidros-fantasia, que integraram a exposição Da banalidade.de 2016. Em 2017, com a preparação para a exposição Jacarezinho 92, realizada na Galeria Leme, esse procedimento começa a se complexificar.
Se a experiência de olhar para suas obras nos traz uma sensação de familiaridade – justamente, pelo uso de gramáticas reconhecíveis à vida banal, retratadas pela ótica verossimilhante de uma técnica desenvolvida ao longo de 15 anos de trajetória –, há também sensação oposta, que é um certo estranhamento, um ruído que tenciona o que seria uma representação fiel da realidade.
Uma das causas talvez seja a inserção desses signos ordinários em algumas situações absurdas criadas pela artista, como os excessos de frutos e objetos, ou, ainda, os animais que habitam suas casas, seja em grupos ou sozinhos, ocupando banheiras, escadas, sofás.
Outro mecanismo de fricção com a expectativa do real é o fato de que, em suas pinturas, não importa se vemos elementos localizados em primeiro, segundo ou terceiro plano, tudo está em foco. No entanto, o olho humano não permite tal profundidade de campo.
“Eu pinto cenas onde tudo que é visto está em foco. Fui entendendo, ao longo dos anos, que essa característica gera uma sensação de estranheza, algo que talvez torne minha pintura como uma espécie de realismo-fantástico. Você não entende o ambiente em que está, parece um pouco freak”, analisa.
Longe de serem uma simples mimese da vida, as pinturas de Ana Elisa Egreja reconfiguram o real a partir de uma poesia – ou poíesis – própria e, assim como numa encenação teatral, firmam um pacto com o espectador, apresentando o que é visto como possibilidade do real, mas de um mundo que existe apenas em suas telas.
(Pesquisa feita em texto de Sofia Lucchesi para Revista Continente em novembro de 2021)
FOTOS GENTILMENTE CEDIDAS PELA GALERIA LEME