Com exclusividade, mecenas e colecionadora brasileira Sandra Hegedüs abre apartamento de Paris, onde mora, com a generosidade que sente pela vida e pela arte
Insta: Sandra Hegedüs
Raramente faço retratos. Mas o convite de fazer esse ensaio na Casa de Sandra Hegedüs me pareceu inspirador. Já tinha encontrado com a Sandra algumas vezes em exposições e eventos, nas esquinas onde a arte contemporânea cruza a fotografia. E uma vira outra. Mas a casa eu não conhecia. Sandra mora ao lado do Observatório de Paris. Esse vizinho de muro é uma maravilha, faz a gente imediatamente pensar no universo e em estrelas. Então cheguei animada e na hora marcada.
Já na entrada, passando à porta, logo à direita, uma peça de Bianca Bondi atrai o meu olhar e energias positivas. Depois direto pra cozinha, onde também tem muitas obras lindas. Como toda boa casa, é ali que tudo se passa. Uma luz rebatida entra pela janela e ilumina a « Harmonia » da artista Ana Elisa Egreja. O quadro vermelho me fez lembrar as laterais das escadarias da Lapa. Fundo perfeito pra começar nosso ensaio fotográfico. O primeiro clique é uma homenagem à Man Ray, que adoro. Acho que Man Ray aprovaria e adoraria ser convidado para um jantar ali mesmo, na cozinha, se ele fosse nosso contemporâneo. Vejo um espelho sobre a pia : I will be your mirror. O artista é Pierre Ardouvin. E a gente vai direto pra música do The Velvet Underground & Nico, direto pra 1967. A letra é maravilhosa …. E tem tudo haver com o clima rock and roll da Sandra. Essa vegana convicta em ótima forma e bom humor encara a câmera facilmente, sempre com generosidade. Na sala, a luva de box sobre as belas cadeiras de rattan e os alteres nos lembram que é preciso estar em boa forma para percorrer galerias e salões de arte e executar tantos projetos. Como vocês sabem bem, Sandra não pára.
Sem querer, o ato de fotografar vira performance, pois deito-me no chão para registrar uma intervenção in loco, feita à luz de velas por Mircea Cantor no teto da sala de jantar. Aqui onde tudo é parede . É preciso olhar pra cima, olhar para o chão. E a cada vez que o meu olhar busca um novo enquadramento descubro algo que não tinha visto antes, uma nova obra. Ainda pelo teto, vejo uma pequena multidão, em fila, rosa e azul, pequenas criaturas, lembro de Tatsuya Tanaka. Olho de perto, o mais perto que olho pode chegar de um teto. E essa? Pergunto. Sandra me diz que o artista representou o número de homens e mulheres mortos por dia no mundo. Arte é isso. Um claque!
Curadora do seu próprio espaço, da sua própria vida e, do seu lugar no mundo percebo em Sandra a liberdade exercida, liberdade para traçar um caminho comprometido com o seu tempo, com o outro e com seus próprios desejos. Percebo um diálogo entre os objetos como se cada artista ali tornassem vivos os pensamentos da Dona da casa. Exemplos? Rodolfo Lamunier: florecer na pedra, Vanderlei Lopes: tudo que reluz é ouro ou a capacidade da arte de iluminar pequenas coisas para torná-las preciosas. A arte das palavras. “Estrangeiro em todos os lugares.” ; “Eu amo tudo.”; “A vida é difícil para quem é de outro planeta.”
Sabe quando a gente olha a estante e pelos livros tenta decifrar quem os lê? Sempre fica o mistério. Fica também uma certeza que podemos mudar sempre. Adoro isso. O espaço é vivo, se transforma constantemente para reproduzir a maravilhosa sensação de perplexidade que sentimos ao ver uma obra de arte pela primeira vez…
Sentido é tudo. Verbo sentir. Nesta casa tudo é sentido e nada é por acaso. Existe “poesia” e poesia no fundo é uma palavra de origem grega que significa “criação”.
* Glaucia Nogueira é mineira. Redatora, diretora de criação e diretora de filmes. Hoje se dedica a fotografia. Criou a plataforma IANDÉ para valorizar a fotografia brasileira na França. Mora em Paris desde 2007.
Fotos: Gláucia Nogueira
Assistência de produção: Ioana Mello