Na natureza das cores

Um pouco do mundo de Andréa Azzi, artista, produtora cultural e diretora de arte que aprendeu a pintar a música

Insta: Andréa Azzi

Diretamente do confinamento pandêmico em sua casa, em Belo Horizonte, a multifacetada artista plástica, produtora cultural e diretora artística Andréa Azzi nos convida para uma imersão no universo visceral de sua pintura. Em uma conversa despretensiosa, a artista revela os principais impulsos artísticos que instigaram o início da carreira, opina sobre os enfrentamentos do mundo contemporâneo e revela, em primeira mão, os projetos futuros no circuito do Design e das Artes.

 “Uma Clarice Lispector em uma cidade sitiada

No auge da juventude, aos vinte anos, quando ainda estudava Economia, Andréa resolveu fazer um mochilão pela Europa. Foi na Itália, precisamente na cidade de Florença, que ela viveu os primeiros impulsos artísticos, ao cogitar a possibilidade de fazer um curso de História da Arte. Mas foi principalmente em Berna, na Suíça, que a artista se lançou na pintura como uma forma de romper com os silêncios e vazios que a cidade lhe causava. 

Andréa: Depois de três meses viajando entre a Dinamarca e a Grécia, eu caí em depressão. Pode imaginar? Uma jovem de 20 anos, sozinha, em depressão. Foi em Berna, depois dessa viagem, que eu comecei a pintar. Outro fator, também, foi a falta de referências culturais brasileiras no meu dia-a-dia. Esse é, de fato, o início do meu trabalho. Mesmo anos antes de mim, a Clarice Lispector também morou em Berna e, em um dos seus textos, ela descreve muito bem os silêncios da cidade que, para mim, tem a ver com uma forte característica da identidade suíça. 

Trecho de Cidade Sitiada – Clarice Lispector: “Mesmo os ruídos do subúrbio vinham desmanchados em pálida salva de palmas. A moça olhava de pé, constante, com sua paciente existência de falcão. Tudo estava incomparável. A cidade era uma manifestação. E no limiar claro da noite eis que o mundo era a orbe. No limiar da noite, um instante de mudez era o silêncio, aparecer era uma aparição, a cidade uma fortaleza, vítimas eram hóstias. E o mundo era a orbe.”  

Nos anos seguintes, Andréa desenvolveu grande parte da carreira profissional atuando como Gerente de Projetos, tornando-se especialista em mídias digitais e interativas, chegando a trabalhar para a TV Suíça e passou, também, pela CNN dos Estados Unidos. Permaneceu na Suíça por mais de trinta anos, onde também criou Remo, seu filho, que ainda reside em Berna e divide a maior parte do seu tempo entre os estudos em Economia e os ensaios para os arranjos musicais da Giant Moa, banda de rock que atua como guitarrista, vocalista e produtor.   

“Como gerenciar um menu musical do mundo inteiro? Pinte-o!”   

Desde os treze anos de idade, Andréa mantém uma forte relação com a música, época em que percorria as ruas da capital mineira em busca de novas descobertas musicais em meio às lojas de CD’s. Para ela, algumas das obras que produz são como ilustrações sonoras, traduzidas na predominância da linguagem abstrata. Apreciadora apurada de diferentes referências musicais, do punk rock como Velvet Underground, a nomes do jazz como Abdullah Ibrahim, John Coltrane, Charlie Haden e Bill Frisell, a artista sempre foi uma frequentadora nata dos clubes e festivais de música como o Montreux Jazz, que ocorre desde a década de sessenta à margem do Lago Léman, na Suíça.

Andréa: “Como que aconteceu o ponto de partida da minha criação? Eu passei de uma pessoa que assimilava para uma que criava. E isso se deu, num primeiro momento, por conta da presença constante da música em minha vida. Foi a música que quebrou a minha percepção de mundo, foi isso que desenvolveu o meu processo de criação artística. Mas, também, tínhamos o musigbistrot, um ‘venue’ restaurante situado a poucos metros do parlamento suíço, em Berna, que foi uma grande experiência musical na minha vida. Por lá, fui gestora e curadora de 60 shows de bandas por ano. Recebíamos músicos da cena indie europeia, dos Estados Unidos, Canadá, Brasil, Austrália e África, que apresentavam shows incríveis! Foi aí que eu percebi que a minha percepção visual e auditiva se fundiram. Isso ocorreu, também, quando eu visitava museus como o do Miró, em Barcelona, ou as coleções do Paul Klee, em Berna. 

Em novembro de 2019, Andréa trouxe para a AM Galeria a exposição “A linguagem é uma pele”.  Sob curadoria de Manu Grossi, a mostra não só expôs a presença da matéria das cores em seu estado bruto, como também marcou o seu retorno à cena cultural de Belo Horizonte. Nesse mesmo ano, juntamente com o curador e pesquisador Roberto Cruz, foi uma das proponentes da exposição “Paul Klee – Equilíbrio Instável”. Esta última, produzida com altíssima qualidade museográfica pela produtora Expomus, percorreu as sedes do Centro Cultural Banco do Brasil em São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. A curadoria ficou à cargo de Fabienne Eggelhöfer, do Zentrum Paul Klee, de Berna, na Suíça.  

Andréa: “Trazer Paul Klee para cá foi um marco histórico e pessoal demais para mim. Um grande volume das obras desse artista tão genial percorreu, pela primeira vez, um circuito expositivo na América-latina. Também foi uma das formas que eu encontrei de trazer um pedaço da minha trajetória na Suíça para o Brasil!”   

Como artista visual, o trabalho de Andréa muitas vezes tematiza uma metamorfose das cores que transitam entre referências sonoras e visuais. Sua prática artística explora a relação da narrativa visual por intermédio de densas camadas de tinta onde a (des)configuração geométrica também dá vazão para uma imersão espaço-temporal intermediada pela exuberância das telas que, ora tomam forma em pequeno porte, ora se espacializam em grandes proporções. Em sua produção recente, Andrea tem se dedicado a uma paleta de tons mais sóbrios, como o cinza e o preto, provocando uma sensação de contraste em relação à diversidade das cores em tons pastel que também tem aparecido em sua pintura. 

Andréa realmente é multifacetada. Após iniciar seus estudos no curso de Economia, em 1983, na Puc-Minas, a artista ingressou na graduação em Psicologia, em 1987 na Universidade de Berna, Suíça. Em 1991 fez graduação em Artes, na “Hochschule für Gestaltung Kunst und Konservierung, Berne” e em 2012, retomou os estudos para realizar um mestrado em Estudos de Cultura e Mídia, na HDK ‘Zürcher Hochschule der Künste’ (Universidade de Artes de Zurique), na Suíça. Na década de noventa participou de exposições em Belo Horizonte e, também, no Itaú Cultural, em São Paulo.  

Obs.: Agradecimento especial a Laura Barbi da GAL.Art.Br; Manu Grossi, curadora; Angela Martins, da AM Galeria; e a Roberto Cruz, curador e pesquisador. 

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