Escritórios Pós-pandemia

Com o retorno aos espaços corporativos, proposta de um ambiente mais feliz e produtivo tem o bom exemplo do Google.

Insta: Ana Paula Guedes

Como arquiteta, especialista em projetos para ambientes corporativos e em neurociências, costumo dizer que “respiro escritórios” desde sempre. Vivencio esse universo desde o meu primeiro estágio, ainda na faculdade de arquitetura. Escritório é a minha paixão e tema constante de meu trabalho e pesquisas.

Diante de nosso atual cenário pandêmico, incerto e desafiador, ainda temos pela frente um longo caminho de aprendizado, resiliência e superação. E no universo corporativo, isso não seria diferente. Mais de um ano se passou e agora já temos o que aprender com experiências até então vivenciadas pelas empresas.

Em 2018, o Google já pensava no que poderia fazer de diferente. Para isso, recorreu à sua equipe de pesquisa e desenvolvimento para “ambientes construídos”. Um grupo multidisciplinar formado por arquitetos, designers, engenheiros, construtores e especialistas em tecnologia liderados por Michelle Kaufmann.

O Google se concentrou em três vertentes balizadoras:  o trabalho ocorre em qualquer lugar e não apenas no escritório; o que os colaboradores precisam em um local de trabalho está em constante mudança; por fim, a certeza de que os locais de trabalho devem ser mais do que escritórios, salas de reuniões e equipamentos.

“O futuro do trabalho que pensávamos que seria daqui a 10 anos”, disse Kaufmann, “a Covid nos trouxe a este futuro agora”.

Apesar de ser um dos primeiros a abraçar o trabalho remoto, o Google quer seus colaboradores de volta ao escritório. Não foi surpresa alguma que a empresa se planejasse e tivesse ideias alinhadas com suas crenças e cultura organizacional, para transformar o escritório pós-pandemia. Afinal, o Google adora e sabe ser diferente. 

Em primeiro lugar, a empresa quer fornecer mais segurança ou essa sensação, escalonando a frequência com que as pessoas vão ao escritório, para reduzir a propagação potencial de COVID-19 agora, pensando nas temporadas anuais de gripe e na possibilidade de pandemias futuras. 

O Google também sabe que não pode mais exigir a ida das pessoas ao escritório, cinco dias por semana. Flexibilidade é a palavra de ordem. 

O primeiro escritório do Google foi em uma garagem no Vale do Silício cheia de superfícies de trabalho apoiadas em cavaletes. Em 2003, cinco anos após sua fundação, a empresa mudou-se para um campus extenso com escritórios arejados e abertos, espaços comuns extravagantes, que definiam um local de trabalho inovador. Com o passar dos anos, a comida era gratuita, assim como os ônibus de ida e volta para o trabalho: era fácil chegar ao escritório e ficar lá o dia todo.

Agora, o Google está em processo de criação de um local de trabalho pós-pandemia que acomodará os colaboradores que se acostumaram a trabalhar em casa mais de um ano e não querem mais ficar no escritório o tempo todo.

A empresa entende que será preciso “desdensificar” escritórios, através de espaços vazios e ambientes mutáveis, porque psicologicamente falando, os colaboradores não vão querer mais se sentar lado a lado, em uma longa fileira de mesas.

Em vez disso, usarão Team Pods, ambientes cápsulas com cadeiras, mesas e outros objetos, que podem ser reorganizados, permitindo vários arranjos, para criar o espaço de trabalho necessário para determinado momento.

Não é de hoje esse interesse pela ideia de espaços físicos móveis, adaptáveis às necessidades atuais de uma equipe e/ou colaborador. Isso já faz parte da rotina da empresa há muito tempo. Com a pandemia, essa demanda se intensificou e várias foram as soluções que surgiram.

Para lidar com uma combinação esperada de colaboradores remotos e presenciais, por exemplo, foi criada uma sala de reuniões chamada Campfire, onde os participantes se sentam em círculo, intercalando-se com grandes telas verticais. As telas mostram os rostos das pessoas, conectadas por meio de videoconferência, para que os participantes virtuais se sintam em posição de igualdade com os presentes fisicamente.

Onde o clima é agradável na maior parte do ano, o Google está construindo espaços de trabalho ao ar livre, com áreas gramadas e conexão Wi-Fi em todos os lugares. Agrupamentos de mesas e cadeiras sob tendas e, nas tendas maiores, áreas para reuniões e equipamentos de videoconferência de última geração. Para que o máximo de pessoas possa se beneficiar desses espaços abertos, a proposta é o sistema rotativo de uso.

Dois dos elementos mais rígidos em um projeto de escritório são as paredes e os sistemas de aquecimento e resfriamento. O Google está tentando mudar isso.  A opção da empresa é por um sistema de dutos de ar em tecido, que se conecta com zíperes e pode ser movido durante um fim de semana, facilitando a criação de novas configurações de layout.

Também estão tentando acabar com as divergências por conta de temperatura, através de sistema que permite que cada assento tenha seu próprio difusor com controle individual de direção e quantidade de ar que passa por ele.

Se uma reunião exigir privacidade, um robô que se parece com as entranhas de um computador sobre rodas, equipado com sensores para detectar os arredores, infla uma parede de balões de celofane translúcidos para afastar olhares curiosos.

Para reduzir distrações e gerar privacidade, foram desenvolvidas “pétalas”, que podem, por exemplo, ser fixadas em uma mesa para eliminar seu brilho. Outra medida foi adotar uma cadeira de escritório com alto-falantes direcionais no encosto de cabeça, que emitem ruído branco para abafar o áudio próximo.

Para quem não necessita de uma mesa permanente, há a opção de uma estação que se adapta às preferências pessoais: o colaborador passa um crachá e calibra altura e inclinação do monitor, exibe fotos de família em uma tela e até ajusta a temperatura nas proximidades.

As cafeterias da empresa, conhecidas por sua comida gratuita, que antes eram servidas no estilo buffet, agora são embaladas individualmente. Salas de massagem e academias de ginástica estarão fechadas e os ônibus da empresa serão suspensos. Salas de conferência pequenas serão transformadas em espaços privados de trabalho  

Mais mudanças: em banheiros grandes, será reduzido o número de pias, vasos sanitários e mictórios disponíveis e instalados equipamentos com sensores que não exigem o toque das mãos em uma superfície.

Embora agora haja menos colaboradores no escritório, eles precisarão de mais espaço. E o Google quer entender como os colaboradores reagirão ao chamado trabalho híbrido. Pesquisa feita com os colaboradores, apontou que a maioria não tem pressa em voltar. Muitos se acostumaram a produzir sem os longos deslocamentos, com mais tempo para a família e com a vida e trabalho fora do escritório.

O equilíbrio entre vida pessoal e profissional requer autonomia e flexibilidade. Seria esse um grande ensinamento da pandemia?

*Ana Paula Guedes é arquiteta, especialista em ambientes corporativos e em neurociência.

@naobraarquitetura    @gnarqbrasil

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