Em excelente companhia

Em casa de casal de artistas mineiros nada foi disposto ao acaso, tudo tem razão de ser e vida própria.

Que delícia de casa!, eu digo ao proprietário*, no que ele responde imediatamente: “Eu também acho”. Impossível iniciar a conversa de outra maneira. A casa, construída em 1957, foi comprada por um casal de artistas nos anos 1980. Casa tradicional, de classe média, situada no bairro Serra, em Belo Horizonte, onde ainda é possível encontrar alguns tesouros residenciais, apesar da sede do mercado imobiliário que vai botando tudo abaixo para construir prédios enormes.

Há 35 anos, essa casa que ainda guarda características dos anos 1950, passou por uma grande reforma antes que o casal, ainda com dois filhos pequenos, a mais nova recém-nascida, nela se instalasse. Pergunto se algum arquiteto assinou a obra. “O Gustavo Penna ajudou na planta”, ele responde, evidenciando que aqui tudo tem realmente a cara do dono.

A partir da intervenção feita, cada peça, cada obra de arte ou móvel foi se encaixando. Nada está disposto por acaso, tudo tem razão de ser e vida própria. “Qualquer objeto que seja, não está à toa, apenas decorando. Nós estamos em companhia deles e isso é fundamental. Aqui, nada adormece, nada hiberna”, vai poetizando o proprietário.

Da antiga conformação arquitetônica, ficou o piso em peroba do campo dos quartos e o marmorite da copa. A sala e os ambientes integrados ganharam, no chão, o quartzito ouro preto, pedra que, desde o século 17 vem sendo utilizada na cidade histórica na construção de casas, muros e ruas.

Mesmo integrados, os ambientes continuam com a função que tem, embora nada cumpra uma ortodoxia, já que a casa é feita para circular, com área externa que pode ser acessada de vários cômodos, da sala e da copa, por exemplo, com amplas portas de correr. Do lado de fora, emoldurada por um jardim, há ainda uma mesa sempre posta, muito utilizada pelos moradores e uma frondosa mangueira da manga mais gostosa que existe, a ubá. A fruta abastece as refeições da família o ano todo, pois mesmo fora da época, tem a polpa congelada e guardada.

A luz é farta em todos os cômodos, que mantiveram as também amplas janelas de correr dos anos 1950. A maior parte dos móveis, são populares mineiros dos séculos 18 e 19. “Gosto muito do móvel popular, eles são muito inventivos”, explica o proprietário. Imagens desse mesmo período fazem parte do acervo do casal, que foi adquirindo tudo aos poucos. É o caso do panô na parede atrás do sofá principal é um edredom provençal, também datado do século 18, com influência indiana na estampa carimbada no tecido.

Nos ateliês, um para cada artista, bem como no escritório integrado, o espaço é cercado de objetos de arte popular. O artista se diverte dizendo que, no seu ambiente de trabalho, não gosta de ter por perto ‘arte inteligente’ e sim arte popular, simples e espontânea. A parede da copa, pintada à moda de azulejo, gera comentários irônicos dos amigos, que dizem ser engraçado uma pessoa que gosta tanto do que é original ter um ‘azulejo fake’ em casa. A resposta dele é simples: “Da mesma razão que o Athaíde** pintou os azulejos da Igreja de São Francisco de Assis, em Ouro Preto. Aqui em Minas fazemos pintura à moda do azulejo, mais mineiro impossível.   

*Preservamos o nome dos proprietários por um pedido singelo dele: “Moramos aqui e amamos esta casa, por isso preferimos a discrição. Quando a gente ostenta, parece que a casa perde um pouco a aura dela.”

**Considerada uma das obras-primas do barroco brasileiro, a Igreja de São Francisco de Assis, tem em sua pintura feita por Manoel da Costa Athaíde (1762 – 1830) painéis historiados de azulejos portugueses, solução encontrada pela dificuldade de transporte dessas peças na época.

Fotos: Jomar Bragança

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