Autobiografia de Sérgio Mamberti

Livro foi escrito com o jornalista Dirceu Alves Jr. Tem prólogo de Fernanda Montenegro e orelha assinada por Gilberto Gil

Insta: Sérgio MambertiDirceu Alves Jr.

Nunca foi tão importante falar de cultura e de arte. Jogar luz nesses temas é uma forma de resistência em um país que tem emburrecido a passos largos em tempos de extrema pobreza de espírito.  É também uma forma de destacar os inúmeros talentos que temos no campo das artes. Um deles, nome considerado referência, é Sérgio Mamberti. ator, diretor, produtor, autor, artista plástico, ele está lançando sua autobiografia, escrita com o jornalista Dirceu Alves Jr., onde compartilha detalhes da trajetória artística e revela cenas da vida privada e política. O livro conta com prólogo de Fernanda Montenegro e orelha assinada por Gilberto Gil.

Sérgio Mamberti, Senhor do Meu Tempo, título da obra, revela, de forma clara, o caráter obstinado do ator, apaixonado pela arte e pela família, além da forte consciência política, inclusive nas escolhas profissionais dele. Foi durante uma entrevista concedida ao jornalista Dirceu Alves Jr., ainda no antigo prédio da Editora Abril, em 2018, que nasceu a ideia de escrever o livro, que acaba de ser lançado pelas Edições Sesc SP, com 376 páginas repletas de fotos de acervo, imagens inéditas e detalhes da vida dessa grande referência das artes no Brasil.

Dirceu relata que a entrevista enveredou pelo lado humano do ator, que contou histórias de infância, relacionamentos, vida artística e política. Na ocasião, ele estava acompanhado de um de seus filhos, Carlos Mamberti, produtor de teatro, e o jornalista lhe propôs: “Olha, seu pai tem uma história de vida muito singular que precisa ser registrada. Vocês já pensaram em fazer um livro sobre ele?” Duas semanas depois, em abril de 2018, começaram as entrevistas.

Entre os momentos de carreira revelados na publicação, alguns mostram o lado destemido de Mamberti, é o caso do papel que teve na peça Navalha na carne (1967), em que interpretou o homossexual Veludo, papel difícil em diversos aspectos, que poderia facilmente ficar caricato. Muitos amigos chegaram a dizer que não pegaria bem ele fazer o personagem. Poderia ficar marcado e ser alvo de preconceito. Mas Mamberti enxergou ali um discurso social: era a primeira vez que um personagem gay assumia o protagonismo de forma realista, além de a peça ser toda centrada em minorias marginalizadas, algo em que o dramaturgo Plínio Marcos foi pioneiro.

Uma das características do livro é o aspecto narrativo, que parte da memória familiar e das primeiras histórias da infância e chega aos dias atuais. Os primeiros anos e a juventude em Santos, na década de 1940, não foram convencionais nem conservadores: sua mãe era professora primária de uma escola pública, dividia as tarefas domésticas com o marido e criou os dois filhos, Sérgio e o também futuro ator Cláudio Mamberti, com total liberdade. O fato de ter crescido em Santos – cidade portuária acerca de 80km da capital paulista que, durante a Segunda Guerra, recebeu gente de diversos países e costumes – também foi relevante para a sua formação e atuação.

Mamberti militou com muita cautela na década de 1960, principalmente durante a ditadura, porque sabia que estava começando uma carreira e não queria expor a família. O artista nunca negou sua bissexualidade e atravessou com liberdade os tempos da contracultura. O grande amor por Vivian, porém, o levou a um sólido casamento, e os dois tiveram três filhos, vivendo intensamente essa união até a morte dela, no começo de 1980.

No âmbito da militância política, atuou para manter a autonomia da produção cultural. Ligado ao Partido dos Trabalhadores (PT), ele participou das campanhas e dos governos de Lula e de Dilma Rousseff. Conviveu intimamente com o presidente eleito em 2002 e trabalhou no Ministério da Cultura, à frente de diversas secretarias, até 2013. Sobre essa experiência, Mamberti relata: “Fui capaz de enfrentar um desafio para o qual vinha me preparando desde a juventude, o de colaborar diretamente com o meu país com a vitória de Lula para a presidência da República. Apoiado por todos, coloquei o cidadão em primeiro plano e assumi um compromisso político”.

Senhor do meu tempo? Mamberti elucida: “O avanço da idade me estimulou a me envolver em inúmeros projetos, sem perder tempo. Aproveito da melhor forma possível os anos úteis que tenho pela frente, talvez cinco, quem sabe dez, talvez até mais, não importa. Sei que já cheguei bastante longe. Raras pessoas alcançam a minha idade com a mesma saúde e disposição. Fernanda Montenegro, Lima Duarte e Laura Cardoso são honrosas exceções que chegaram aos 90 anos em plena atividade. Tenho vigor, energia, e comigo aconteceu algo que me favorece muito como ator: a minha voz não envelheceu. Passei dos 80 anos na casa da rua dos Ingleses, o meu lugar no mundo, o lugar em que atravessei a maior parte da vida e me cerquei daqueles que amo. Começo, incansável como sempre, a vislumbrar os novos caminhos que pretendo trilhar. Todos serão plenos de vivências e aprendizados, alimentados sempre na esperança de que dias melhores virão”.

Sobre Sérgio Mamberti

Sérgio Duarte Mamberti  (Santos, 22 de abril de 1939) é ator, diretor, produtor, autor, artista plástico e político brasileiro. Formado pela Escola de Arte Dramática de São Paulo,é dramaturgo há mais de 50 anos. Fez sua estreia profissional no teatro na peça Antígone América, escrita por Carlos Henrique de Escobar, produzida por Ruth Escobar e dirigida por Antônio Abujamra.Na década de 1970, trabalhou com importantes nomes da dramaturgia brasileira, entre os quais Beatriz Segall, Regina Duarte e Paulo José. Na peça Tartufo, de Molière, dividiu o palco com Paulo Autran sob a direção de José Possi Neto. Em 1988, viveu um de seus personagens mais marcantes, Eugênio, o mordomo de Celina (a atriz Nathalia Timberg), na novela Vale Tudo, de Gilberto Braga. Além disso,atuou brilhantemente em filmes, séries, minisséries e outros especiais. Em sua carreira como militante cultural por meio da política, foi secretário de Música e Artes Cênicas, secretário da Identidade e da Diversidade Cultural, presidente da Fundação Nacional de Artes (Funarte) e secretário de Políticas Culturais.

Sobre Dirceu Alves Jr.

Dirceu Alves Jr. nasceu em Porto Alegre, em 1975, e vive em São Paulo desde 2002. Formado em Jornalismo pela PUC-RS em 1996, trabalhou no jornal Zero Hora como pesquisador, repórter e editor-assistente do Segundo Caderno. Em São Paulo, foi repórter e editor-assistente da revista IstoÉ Gente por cinco anos e repórter e crítico de teatro da revista Veja São Paulo por treze. Publicou, em 2004, o livro Telenovelas, na coleção Para Saber Mais, da revista Superinteressante. É autor de Elias Andreato, a máscara do improvável, biografia do ator e diretor lançada em 2019 pela Editora Humana Letra.

FOTOS: Matheus José Maria

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