O ateliê é o mundo

Com vários trabalhos ainda não expostos por causa da pandemia, Christus Nóbrega une a arte à eterna vontade de viajar

Insta: Christus NóbregaGaleria Murilo Castro

Uma das séries desenvolvidas por Christus Nóbrega durante os dois meses que passou em residência artística na China a convite do Itamaraty se chama Roupa Nova do Rei (2015-2017). Baseada no conto homônimo dinamarquês de Hans Christian Andersen, publicado em 1837, nas obras de Christus Nóbrega o autorretrato do artista é recoberto por mantos feitos com a milenar técnica chinesa de recorte de papel de arroz, fi­xada sobre as fotografi­as com alfi­netes.

O conjunto expositivo foi idealizado a partir de um questionamento fundamental para o artista-viajante: como constituir um espaço para que ele se torne um lugar? Dois eixos tentam responder essa indagação e possibilitam o movimento poético. Nomeados como Ver-paisagem e Ser-cidade esses conceitos implicam, respectivamente, em estratégias para conhecer o entorno: em um primeiro momento, o artista se distancia e observa; e, por fim, entranha-se no cotidiano da cidade. A curadoria propôs integrar todos esses eixos ao construir espaços distintos uns dos outros, balizados pela noção de estranhamento e reconhecimento de Christus Nóbrega em território estrangeiro.

Um forte elemento autobiográfico atravessa a prática artística de Nóbrega sempre poética e, por vezes, controversa, na qual vários materiais e processos iluminam questões complexas relacionadas ao LGBTQIA +.  A exposição multimídia Talvez Deserto é resultado de outra viagem, desta vez à Austrália, um período de intenso engajamento e pesquisa, entre novembro de 2018 e fevereiro de 2019, nas construções políticas e sociais em torno do LGBTQ + das comunidades australianas.

O tema central dessa pesquisa é inspirado no filme Priscila, A Rainha do Deserto, de 1994. Christus Nóbrega percorreu o mesmo percuros da personagem, num total de 3000 km viagem de Sydney a Alice Springs. Talvez Deserto compreende fotografias, vídeos imersivos, instalações interativas, performance, escultura e livros de artista.

Explorando os contextos australiano e brasileiro, a exposição adicionalmente justapõe as perspectivas dos povos das Primeiras Nações nas comunidades LGBTQ + no Brasil e Austrália. A residência de Nóbrega na Austrália foi um convite do Canberra Contemporary Art Space (CCAS), contou com o apoio da Embaixada do Brasil na Austrália.

Atualmente, o artista está revisitando as obras e criando outras novas, parte do mesmo projeto. “Já que ainda não a expus, por causa da pandemia, resolvi atualizá-lo. Entre essas séries está Mermaid Songs (O Canto das Sereiras), trabalho em colaboração com artistas aborígenes australianos que construíram sua poética com pintura pontilhada. Como parte de uma estratégia de intercâmbio cultural, Nóbrega convidou-os a usar as fotos pontilhadas da série como suporte para suas pinturas, na tentativa de promover uma reflexão sobre as formas como as duas culturas interagem.

Outra série inédita se chama Sigilo, um projeto que passa por um convite à comunidade LGBTQ+ para partilhar suas memórias envolvendo xingamentos LGBTQfóbicos com o objetivo de resignificá-los poeticamente. A ação ocorre em três etapas e, no final, o conjunto dos relatos, bem como das fotos será transformado em uma videoinstalação, uma fotoinstalação e/ou um livro de artista.

Por fim, enquanto as exposições estão em suspenso, Christus Nóbrega aceitou o convite da família do escritor também paraibano José Lins do Rego, que quer relembrar a história do livro Menino do Engenho, que comemora 90 anos em 2022, com uma grande exposição de artes visuais. “O Brasil precisa reler essa grande obra. A exposição chama Menino do Engenho Ontem e Hoje. Há questões levantadas ali que perduram até hoje. Decidi trabalhar em conjunto os quatro grandes eixos centrais do livro, a terra, o trabalho, a infância, e a mulher, na minha leitura, grandes totens do livro. Para cada um desses núcleos, a expectativa é viajar para a Paraíba e trabalhar com as comunidades. O trabalho surge a partir da história de vida das pessoas”, comenta Christus.

Atualmente, ele tem desenvolvido projetos com um grupo de rendeiras da Paraíba; de quilombolas que trabalham com cerâmicas; de agricultores familiares do Movimento Sem Terra. “O projeto é muito colaborativo. Senti necessidade de sair e colocar o mundo como ateliê. Uso a arte como uma grande desculpa para estar em contato com o outro”, diverte-se Nóbrega. É esperar para ver, quando todos esses projetos se concretizarem em exposições.

FOTOS GENTILMENTE CEDIDAS PELO ARTISTA

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