Ateliê Aberto mergulha e sobe à tona em ato contínuo, ao perscrutar o trabalho da artista Juliana Gontijo
Insta: GALERIA MURILO CASTRO – JULIANA GONTIJO
Juliana Gontijo cria mundos. Ou incita brechas para que mundos se criem a partir de suas investigações, suas observações. Mas é certo que ela cria mundos. Se é uma manifestação do invisível na realidade ou se é o avesso disso o que aflora, esse mistério não é para ser solucionado, mas para ser mantido próximo.
Para a artista que nasceu em Belo Horizonte e se formou em Artes Visuais pela UFMG, nada é pura materialidade. Por isso, ao entrar no espaço onde ela parece estar em permanente estado de criação é preciso andar devagar, respirar devagar, observar, ser observada, sentir mais que pensar.
O ambiente onde a casa começa é de uso coletivo. Ocupa quem quiser ou precisar. Próximo dali o pequeno ateliê da artista é totalmente aberto para a sala. Sim, ele não tem portas, mas é onde ela fica sozinha e dá vazão à sua arte. “Acho que tem a ver comigo. Minha intimidade precisa ser aberta, não consigo ser diferente”, ela diz.
O dia de Juliana pode começar com a leitura de um livro, com a escrita, com um desenho, pintura ou outras formas de expressão. Ela conta que uma coisa suscita à outra, numa ação que se desencadeia naturalmente e que vai despertando o que pode ser chamado de encantamento da vida, quando as coisas surpreendem muito além de serem meramente o que são.
Este ano, Juliana Gontijo participou, junto com outros sete artistas, entre brasileiros e estrangeiros, da Residência Artística FAAP, em São Paulo, mantida no Edifício Lutetia, um prédio histórico a poucos metros do Viaduto do Chá. O espaço se propõe a pesquisa, investigações e o desenvolvimento de projetos, ações e conexões.
Nesses quatro meses de residência Juliana se propôs a estudar plantas que são tradicionais na nossa cultura, aquelas que estão em frente a pequenos comércios, por exemplo, como a espada de São Jorge, Comigo ninguém pode e Guiné. “São sobreviventes que parecem furar tempo e espaço e se mantém presentes em meio a uma sociedade que se diz muito desenvolvida”, diz.
Dali surgiu a série “As Plantas Criam Mundos”, que vai ganhar uma exposição individual na Galeria Murilo Castro, em Belo Horizonte, em novembro deste ano. A partir da ideia do poder invisível das plantas, a artista criou situações em que a potência desse poder se revela sem a necessidade de, pela materialidade de seu trabalho, ser revelada. É algo além, extremamente mais sutil.
É o que propõe a tela GUINÉ, por exemplo, acrílica diluída em chá de guiné e carvão sobre tela; ou a tela QUEBRA DEMANDA, que utiliza tinta acrílica diluída em chá de quebra demanda, nanquim e carvão sobre papel; ou ainda a que se chama ALECRIM, que utiliza tinta diluída em chá de alecrim, carvão e pó de pemba sobre tela.
Através da operação de pequenos desvios, o trabalho de Juliana aponta para o desejo da subversão de um discurso linear e lógico. À artista interessam narrativas que não se prestem à criação de fundamentos, aquelas que permitem, dentro do corpo do texto/ imagem, a emergência de contradições e dúvidas e que criem “fronteiras alargadas” por onde devem atravessar as complexidades da experiência de seu próprio corpo (físico, sensível e político) no tempo e no espaço.
No final da experiência de conhecer um pouco do ateliê da artista, de falar, conversar e sobretudo escutar o que ela fala de seu percurso, fica a certeza de que, ao mesmo tempo em que Juliana busca sua expressão em composições híbridas, ela permite a todas os suportes que utiliza – da pintura ao desenho, do objeto ao vídeo, à fotografia, som e texto – que sejam eles que busquem sua própria expressão através do que ela produz.
FOTOS – ÁLVARO FRÁGUAS