Arte que urge

Em tempos vulneráveis, marcados pela violência à cultura e à arte, a importância de conhecer a obra de artistas como Athos Bulcão

Insta: FUNDAÇÃO ATHOS BULCÃOALEXANDRE MANCINI

Athos Bulcão era um artista de rara sensibilidade. Foi pintor, escultor, desenhista e deixou sua marca inconfundível na construção da capital da República, com suas obras realizadas em azulejos.

O convite feito por Oscar Niemeyer ao artista, no sentido de uma parceria que hoje determina o imaginário em torno de Brasília, parece ter aberto a possibilidade de novas experiências: Athos Bulcão uniu a tradição da azulejaria à inventividade da composição aplicada na arquitetura. Sua obra é mais que técnica e expressividade, é um legado. E nenhum outro artista atingiu o tamanho de sua obra institucional, que é fortemente vinculada ao caráter urbano e pautada pela aproximação entre o pedestre e a obra.

Seu excepcional trabalho no desenvolvimento da arte em azulejaria é marcado por um dos principais objetivos na arte abstrata geométrica: a aplicabilidade da obra, de forma que o mesmo não seja confinado em áreas expositivas, como galerias e museus. Ao contrário, ele é compartilhado com a cidade.

“Apesar de Athos Bulcão ter criado obras de arte integradas à arquitetura, das mais conhecidas do povo brasileiro, poucos sabem de sua autoria”, comenta o artista Alexandre Mancini, um dos nomes mais importantes da azulejaria brasileira contemporânea, profundo conhecedor da matéria. Ele também licenciou com exclusividade à Fundação Athos Bulcão, um catálogo de padrões modulares formado por desenhos inéditos que carregam as lições do mestre.

E é Mancini quem enumera algumas das obras mais conhecidas de Bulcão: “Vemos diariamente as criações do professor nos noticiários políticos – em entrevistas concedidas por membros do Congresso com o famoso painel de azulejos com grafismos azuis, carinhosamente apelidado de “Ventania” ao fundo; nas decisões no Plenário da Câmara dos Deputados, onde, também ao fundo, há uma instalação em placas metálicas com retângulos verdes e amarelos; ou no Supremo Tribunal Federal, com seu relevo em mármore, com formas semicurculares”.

Há inúmeras outras criações de Athos Bulcão que estão no dia a dia das decisões do país, vistas por todos nós corriqueiramente. Elas estão também em casas e em outros espaços públicos. Silencioso, elegante e bem-humorado, Athos Bulcão despertou nos amantes da cultura, em uma Brasília ainda carente de arte, o desejo de preservar sua obra, que pontua caminhos.

Sobre os atuais episódios de violência, depredação e destruição de acervo artístico e cultural do patrimônio brasileiro recentemente em Brasília, incluindo obras de Athos Bulcão, Alexandre Mancini afirmou: “Golpes – ou suas tentativas – já foram vistos nas mais diversas formas, contudo nunca havíamos presenciado o desejo explícito pela destruição e pela devastação dos símbolos civilizatórios. E a face desta manifestação de ódio é simbolizada justamente nos ataques ao nosso tesouro: muito mais que a tentativa de conquistar o poder, o objetivo maior é a destruição daquilo que criamos de melhor, nossas expressões mais ricas e originais. Ao atacar as obras de arte, viu-se de fato, o ataque ao povo brasileiro e à democracia”.

FOTO DE CAPA – Azulejo intitulado “Ventania”, instalado no Salão Verde da Câmara dos Deputados, no Congresso Nacional. Foto do acervo da Fundação Athos Bulcão.

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