Zanini de Zanine

A história em berço esplêndido, pleno de cultura, realizações e paixão de um dos nomes mais incensados do design nacional

Insta: Zanini de ZanineStudio Zanini31 Mobiliário

Zanini de Zanine. O nome é forte. O trabalho como designer, tanto em seu ateliê no Rio de Janeiro que leva seu nome, como o que é atrelado à indústria moveleira é reconhecido, premiado e admirado. No ateliê, a produção é lenta, as peças, em madeira de demolição são pesadas, feitas artesanalmente e repercutem nas galerias de arte e design, tanto no Brasil como em Nova York e em outras cidades dos Estados Unidos, na Europa e em outros continentes.

Em paralelo, o que é feito para o mercado e desenvolvido por várias empresas do setor, o torna próximo de um público maior e está em lojas espalhadas pelo país e também no exterior. “Esses dois lados contam bastante o meu percurso”, comenta, a voz pausada, tranquila, em uma conversa no Studio 31, espaço que abriu com sua companheira, a mineira Marcela Bartolomeu, em plena pandemia, no bairro Santa Lúcia, em Belo Horizonte. Um espaço grandioso na arquitetura, assinada pelo arquiteto Gustavo Penna, e no acervo, com peças e reedições de grandes nomes do design brasileiro.

Em uma cena dessas é possível imaginar um profissional criativo com a carreira no auge. Quem sabe um pouquinho sobre os nomes que alicerçam sua história de vida também pode supor que tudo aconteceu como em um livro de boa literatura, onde as peças e tramas se encaixam com maestria. Sim, o designer vive um momento especial e tem o que comemorar, o que será contado mais adiante. Mas sua vida teve percalços, foi movida pela persistência e trabalho árduo e muita paixão para chegar onde está.

Os pais, Zanine Caldas, arquiteto autodidata, designer, paisagista, escultor e professor, que junto com outros mestres de sua época elevou a produção nacional a um novo patamar, e a cineasta Fernanda Borges, ambos do universo da criação, permitiram a Zanini, desde criança, exercitar a observação, viajar muito e estar em contato com grandes pilares da cultura brasileira.

Ele lembra que brincava de pique-esconde entre as esculturas de Sérgio Camargo, mensalmente frequentava o apartamento de Lucio Costa com os pais e, também junto a eles, sentava-se na mesma mesa que Tom Jobim no Arataca do Cobal, no Leblon. A lista é imensa, inclui Jorge Amado, Capinan, Norma Benguel e muitos outros. “Talvez só hoje, mais velho, eu consiga dimensionar um pouco o que foi a minha infância e pré-adolescência e o que isso influenciou a minha personalidade, o que procuro e tento testar em relação ao mobiliário, à escultura, à pintura e em diversas abordagens da criação. Essa convivência foi fundamental e era muito rica”, comenta.

O segundo momento dessa trajetória passa pela faculdade de Desenho Industrial na PUC carioca. Não foi uma escolha imediata. Como viajou e morou coma família em muitos lugares, a primeira intenção, reflexo do que era sua vida, foi pensar na possibilidade de cursar Direito Internacional. Gradativamente, a experiência que se acumulava com tudo o que vivia e via ia fortalecendo desejos, principalmente no que diz respeito ao design de mobiliário.

“Eu cresci assistindo um pedaço de madeira virar cadeira, sofá, prateleira. As casas que eu via nas maquetes do ateliê, depois eu convivia com a construção delas, até ficarem prontas. Para uma criança isso é forte e lúdico, como criar um brinquedo que poderia crescer e ser realizado”, diz. Mesmo assim, a opção pelo design aconteceu leve e suave. “Meus pais tinham esse lado nobre de entender o percurso natural de um filho e sempre me deixaram muito livre para fazer as escolhas que eu queria”.

Enquanto estudava, Zanini estagiou com Sérgio Rodrigues. “Isso foi no ano 2000, quando o Sérgio estava sendo redescoberto e começaram a reeditar seu trabalho. Era uma coisa muito romântica ainda, pois não existia certeza nenhuma de que havia uma perspectiva concreta para o design de mobiliário brasileiro. No ateliê, era ele, uma secretária e o Fernando Mendes, com aquelas peças que são vendidas hoje, que as pessoas aceitam e entendem, mas que, naquele momento, estavam esquecidas. Eu pensava: Caramba! Como uma jóia dessas está assim?”

Zanini conta que o convívio com Sérgio Rodrigues foi como um presente, já que quando ele entrou na faculdade, o pai, com a saúde debilitada, não estava mais tão atuante. “Era um momento importante porque eu queria me formar para ser um profissional e tive a sorte de ter esse contato com o Sérgio no ateliê dele. Foi onde aprendi, em um curto tempo, um pouco de tudo”.

Esse ‘um pouco de tudo’ a que se refere Zanini, ia muito além da técnica e da criação: “Era sobre paixão. Ele era apaixonado pelo que fazia e acho que isso é que me fez ter certeza de que era esse o caminho”. Olhando para trás, o designer gosta de lembrar como havia troca entre as pessoas da geração de seu pai.

“Era uma geração que participou plenamente de uma construção da cultura brasileira, na fase que a gente pode chamar de modernismo. Não só na arquitetura ou no mobiliário, mas também na música e nas artes em geral, eles se frequentavam. Apesar de diferentes personalidades, havia uma sintonia, eles tinham paixão pelo país, pela cultura e queriam aquilo muito mais do que enriquecer ou acumular bens materiais. O acúmulo era de experiência, de sabedoria e de vivência”.


O interessante é que toda essa influência na formação de Zanini, ele diz que o ajuda e também o atrapalha. O lado bom é aprender a soltar mais a emoção, primeiro guia de qualquer trabalho que faça. Em compensação, ao pensar no lado comercial, não funciona com a mesma eficácia.

Mesmo assim, Zanini comenta que convive com esses opostos de forma tranquila, sem pressão. “Já entendi que o grande prazer é essa busca de experiências e o grande objetivo do criador é fazer coisas que ainda não fez. Esse é o grande tesão, mais do que uma chuva de royalties, alcançar sucesso ou ter uma peça que estoure nas vendas”.

Nem sempre essa convivência foi tranquila ou sem pressão. Logo que se formou, a inserção no mercado foi um momento delicado. “Meu pai não acumulou nada, não se preocupou em ter apartamentos, carros, conta recheada de dinheiro. Então, eu tinha de herança a bagagem de conhecimento, era filho de uma pessoa que na área dele era bem respeitada, mas estava completamente desprovido. E eu vivo de design desde a minha formação, não tenho dinheiro de família, nada. Foi delicado nesse momento porque eu estava terminando a faculdade, tinha estagiado com o Sérgio Rodrigues, o mercado não era nada do que era hoje. Existia a palavra design, mas não havia a força que há hoje”.

Entre escolher em trabalhar no escritório de outro profissional ou bater a cabeça e continuar criando móveis, Zanini escolheu a segunda opção. “Eu desenvolvia minhas peças uma a uma, oferecia para as lojas e, ao mesmo tempo, desbravava o mercado para saber quem poderiam ser os produtores. Foi um início muito complicado. Não tinha instagram naquela época. O caminho que encontrei foi fazer as peças, registrar o que estava fazendo, entrar em concurso que, naquela época era uma fonte de projeção interessante, já que as revistas publicavam os participantes e premiados e, aos poucos, minha carreira foi sendo construída”.

Apesar do nome forte, ele não era garantia de que o seu trabalho entraria nas lojas ou em grandes marcas. Naquela época, mais do que hoje, o pensamento girava em torno do fato de um produto ser comercial ou não. De 2002, ano em que se formou e nos sequentes cinco anos, Zanini correu atrás. Vendia um produto, pegava o dinheiro e colocava em outros dois projetos e assim seguia seu rumo. A onda boa veio quando Zanini começou a receber os primeiros convites de algumas empresas brasileiras e, em 2010, quando a marca italiana Cappellini fez contato. “Foi um divisor de águas”, lembra.

Há cinco anos, como ele mesmo diz, Zanini ‘se permitiu pintar’. Hoje a pintura e o desenho são, além de um desafio, um exercício interessante, já que ela pode se envolver com o design, virando um tapete, por exemplo, mesmo não tendo sido pensada para esse fim. “Eu não começo achando que vai ser um tapete. É um exercício de fuga mental muito bom. O curioso é que venho negando o bidimensional, mas a pintura começa a sair, a fluir. O material que mais tem me atraído? Talvez seja esse, chamado tinta”.

Recentemente, o designer também fez muitos trabalhos em metal, influenciado pela força do minério em Minas. “As coisas vão acontecendo, a cabeça é um liquidificador, tem que ir esvaziando”. Por sinal, sobre residir também em Belo Horizonte, ele diz que ele e Marcela, desde 2017 ficaram muito entre Belo Horizonte e o Rio, mas a pandemia acabou fazendo com o que os dois escolhessem ficar mais tempo em BH.

 “Funciona bem, já que na memória da minha infância, há muitas imagens de Minas, quando eu ia com meus pais para Ouro Preto. Minha relação com Minas Gerais é muito forte. Aqui eu sinto que também é minha casa de alguma forma.

E como foi dito lá no início do texto, ano que vem é ano de comemoração. São 20 anos de trabalho e da formatura na faculdade e, para marcar a data, Zanini vai aproveitar o registro de duas décadas para fazer uma exposição em Nova York em fevereiro e lançar um livro no segundo semestre. Também está programada, mais para o final do ano, uma mostra no Instituto Ruy Ohtake, em São Paulo, e outras a serem confirmadas em sua agenda.

Por fim, não poderia faltar a pergunta: qual a grande ambição de Zanini de Zanine? “Acho que é essa coisa do aprender e pesquisar, de fazer algo que ainda não tenha feito. De experimentar sempre e viajar bastante”, conclui revelando ainda que, além da criação, a gastronomia e as viagens estão ranqueadas entre o que mais gosta de fazer.

FOTOS GENTILMENTE CEDIDAS DO ACERVO DE ZANINI DE ZANINE

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