O sentimento que habita

Com projeto respeitoso, feito aos poucos, arquiteta Fernanda Villefort soube preservar e valorizar interior e exterior de antiga fazenda mineira

Insta: Fernanda Villefort

Calma. Não veio tudo de uma vez. Foi bem ao modo de Guimarães Rosa: “as coisas mudam no devagar depressa dos tempos”.  Onde a natureza habita, essa sensação fica ainda mais evidente: os dias aceleram mesmo é no agito da cidade. E talvez por isso, o projeto de ampliação dessa fazenda foi feito assim, aos poucos, do jeito que os dias escorregam por lá.

Primeiro, era preciso preservar a construção existente, pequena, singela, mas cheia de história. Depois é que as transformações foram ganhando espaço, girando a partir desse núcleo. A maneira trabalhada foi menos no desenho e mais no sentimento, buscando referências da casa primeira. O proprietário carecia de enxergar as possibilidades, precisava ver as coisas acontecendo no concreto para dar o passo seguinte. E foi assim que a arquiteta Fernanda Villefort fez. Deu permanência à casa, inclusive ao quarto do proprietário, que permaneceu na parte antiga. Refez o banheiro, trocou o mobiliário, mas o que era necessário para que o fio da história não se perdesse, continuou.

Para ampliar a área da cozinha sem perder a paisagem, a porta foi detalhada em quadriculados de madeira e vidro, em estilo camarão para obter a abertura total, passando a mesma sensação dos panos de vidro, sem perder a essência do que era original ali. O mesmo aconteceu na escolha do piso, em ladrilho hidráulico que remete ao passado, porém com um olhar contemporâneo do off white clarinho com detalhes em cinza, trabalhado com pinceladas nas bordas.

O coração da casa ainda pulsa no mesmo lugar: o tradicionalíssimo fogão à lenha em vermelho natado. Instalado em um espaço de amplas dimensões, aberto, com mesão de madeira, muitas cadeiras e o charme das poltronas Mole, de Sérgio Rodrigues, ele conjuga o fazer com a boa prosa e perpetua tradições mineiras como o cafezinho coado no meio da tarde. E vai além, já que a cozinha virou área social, integrada à varanda e à piscina.

Da porta aberta da cozinha também se avista a capela, um dos pontos especiais do projeto. Sua implantação foi pensada no ponto mais alto, circundada pelo paisagismo à moda das fazendas antigas, com caminho de flores, mini rosas e beijinhos plantados em tachos de cobre. A porta oval da igreja foi encontrada em um antiquário. Aliás, esse garimpo meticuloso de peças, alteraram os rumos do projeto algumas vezes, tudo com muita tranquilidade, encontrando um sentido para as coisas e suas histórias. Foi assim que um cocho virou banco, uma queijeira virou aparador, uma mesa de carpintaria virou outro aparador e até os tachos de cobre viraram vasos de flores.

Além da capela, a adega é outro espaço inspirador e importante do projeto. Instalada no porão, ela também conta muitas histórias. Entre elas o fato da base azul da construção que, ao ser descascada, cedeu lugar à pedra crua misturada ao barro e ao cimento. Um cenário primordial que gerou a planta de uma adega, desenhada sob medida. Mais uma vez, tudo foi ganhando sentido com o tempo.

No conjunto de dormitórios construídos separados da casa, foram criados decks com bancos em tronco de madeira e fogo de chão, permitindo uma unidade entre o núcleo original e esses ambientes. A pavimentação é mínima, feita com pedra solta e dormente, além da calçada, em piso drenante, para a chegada dos carros.

O curral também não saiu de seu lugar histórico e, às árvores antigas somaram-se outras, como os ipês plantados, um para cada filho, além de beijinhos, alfazemas e mini rosas, que deram um ar de nostalgia.

Dentro da casa, os quartos também foram preservados, mantidos do mesmo tamanho original. Tudo foi feito de uma forma muito respeitosa. A arquitetura soube potencializar as vistas, enquadrando a paisagem em seu melhor ângulo.

Na iluminação externa, as arandelas antigas lembram o lampião de ferro e a iluminação noturna das árvores foi embutida no solo, além de postes de ferro com globos de vidro.

FOTOS: Jomar Bragança

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