ATELIÊ ABERTO
O caminho é a essência

Um dos maiores escultores atuais de figuras públicas, Leo Santana também transborda alma em seu trabalho autoral, retratando anônimos brasileiros

Insta: Leo SantanaFundição Artística Ana Vladia

No calçadão da praia de Copacabana, Carlos Drummond de Andrade está sentado em um banco, de costas para o mar. Nunca lhe falta companhia. Ele recebe beijos, abraços e até se serve de interlocutor de conversas, sempre amigável às infinitas fotos feitas ali. O Drummond de bronze foi inaugurado em 2002, véspera do centenário do poeta é um dos monumentos mais visitados do Rio de Janeiro.

No ateliê de Leo Santana em Contagem, região metropolitana de Belo Horizonte, a mesma estátua, nas mesmas dimensões, está sentada à mesa. É companhia de Leo no café da manhã e em outras refeições. Autor da estátua, à época, ele não tinha ideia da repercussão que ela lhe traria. Uma das diferenças do Drummond da praia e do que ‘mora’ em Minas é que este jamais perde seus óculos, algo corriqueiro desde que a escultura foi instalada na orla carioca, alvo de furtos intermináveis.

No ambiente de Leo, o poeta também é acompanhado por outras peças, em desenvolvimento ou concluídas, entre encomendas e as autorais, geralmente menores. Pode-se dizer que Drummond foi uma espécie de alavanca para a carreira do artista. No dia da inauguração no Rio, com presença maciça da imprensa, Leo recebeu um telefonema de Fernando Pimentel, então prefeito da capital mineira, que também queria uma homenagem daquele porte.

Vieram vários outros monumentos, como o, Ary Barroso, no Rio, os quatro cavaleiros do Apocalipse, como eram chamados Fernando Sabino, Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos e Hélio Pelegrino, na Praça da Liberdade, em BH e uma série de encomendas. Ano que vem, Leo Santana comemora 20 anos de esculturas, somando 68 de corpo inteiro.

O processo de criação envolve muitas pesquisas, conversas com familiares, viagens para saber onde a obra será instalada. Se for o caso de um escritor, Leo mergulha em sua obra, se músico, em suas composições.  Ao mesmo tempo, ele busca gestos, o jeito de olhar, observa a postura física do retratado, entre outros detalhes, que vão agregando um pouco mais de alma à peça estática. A aprovação do cliente é feita a partir do croqui e então ele parte para o esqueleto em metal, na Fundição Artística Ana Vladia, que leva o nome da proprietária, com quem trabalha há muito tempo.

A experiência de conhecer o lugar onde o artista cria e também a fundição onde cada trabalho é concluído – algo envolve um processo a várias mãos, diversas etapas e alguns meses de produção – é única. Leo nos recebe com o sorriso aberto que lhe é característico, o porte atlético, o jeito de menino pilhado que não entra em decréscimo com o avançar da vida. Vamos percorrendo as paredes, pisando com cuidado, observando como quem entra em um templo ou um gabinete de curiosidades.

Está ali a mesa de café (com Drummond eternizado em uma cadeira), a cozinha, muitas e muitas e muitas esculturas, desenhos, a mesa onde ele se concentra no fazer artístico, prateleiras e até uma varanda com plantas iluminadas pelo sol da tarde. A conversa com o artista que é considerado atualmente o escultor de figuras públicas mais conhecido do país é fácil, gostosa. De lá partimos para a fundição da Ana, em uma área de Contagem muito arborizada, pontuada por sítios e percursos estreitos.

A casa de pé direito altíssimo, decorada com móveis reciclados e uma bem-servida mesa de café do lado de fora nos faz esquecer um pouco do tempo. A poucos metros está a fundição, para onde caminhamos, não sem antes observar o trabalho mais recente de Leo, que vai sendo milimetricamente detalhado em uma pequena área coberta e que, em breve, vai se transformar em mais uma estátua de bronze. Na fundição, Leo e Ana Vladia explicam cada parte do processo.

Quando não está imerso nesse universo, Leo Santana se dedica ao trabalho autoral, esculturas que costuma fazer em casa mesmo, já que são pequenas e fáceis de serem levadas para a fundição.

Como o tema é livre, ele se permite o risco. “Não dá para saber se vai dar certo, mas é algo que tem que ser posto para fora para caber mais”, brinca. As peças mais recentes, esculturas que remetem à capoeira, mostram movimentos da dança e músicos em ação em corpos com o biotipo bem brasileiro, de cerca de 15cm cada. Já foram fundidas, mas ficaram na sala de espera quando entrou a última encomenda.

Além do registro de personalidades que tem difundido seu trabalho também em âmbito internacional, o artista confessa ser apaixonado pelo popular e anônimo. Tanto, que está preparando uma série relacionada ao forró e depois pretende chegar no samba. Entre os movimentos de braços, pernas, cabelos que parecem ao vento, o artista consegue, de um jeito sensível e alegre, abrir essa brecha para também retratar o Brasil em sua essência.

FOTOS: Álvaro Fráguas

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