Cor, luz e paixão

Livro que será lançado pela Barleu Edições traz recorte de 20 anos da pintura de Leonora Weissmann.

Insta: Leonora Weissmann

Às vezes, nos fazem perder o fôlego. Às vezes, acionam aquele sorriso de cantinho de boca que damos sem perceber, quando somos invadidos por uma sensação de prazer. As telas da artista plástica Leonora Weissmann, a Loló, têm essa capacidade. Talvez, porque a naturalidade das narrativas que ela constrói com suas pinceladas não tenha a menor pretensão de ir além daquilo que está ali. Uma mistura do sentimento que vem dela e que impregna rostos, corpos e situações que captura e traduz numa variedade cromática que parece deixar o tempo suspenso quando nos vemos transportados para o sei lá onde (certamente algum lugar muito próximo), que suas telas são capazes de nos conduzir.

Para ela, cada rosto é uma paisagem. “Eu olho para um rosto e já penso em uma pintura”, Loló me diz em uma conversa gostosa que tivemos recentemente na AM Galeria de Arte. “Quando estou pintando, é como se estivesse fazendo um carinho”. Ah! Que fala é essa? Essa frase, dita pela artista nesse mesmo dia, ficou ecoando em mim repetidas vezes antes de escrever esse texto. Inúmeras vezes também abri o computador, só para olhar e admirar os trabalhos que ela me enviou para esta matéria. Sim, não é a mesma coisa que ver ao vivo, mas já acende um quentinho aqui dentro cada vez que faço esse exercício.

Premiada lá fora, premiada no Brasil, aos 38 anos, Loló vai ganhar um livro sobre suas obras. O convite já vem de longa data. Feito há cinco anos por Carlos Leal, editor da tradicional Francisco Alves, vai finalmente se concretizar. A publicação tem previsão de lançamento para o segundo semestre de 2021, pela Barleu Edições, editora de artes fundada por Leal.

Entre os que aguardam a primeira fornada está a própria artista, uma confessa colecionadora compulsiva de livros de arte e de catálogos de exposições que me contou sem rodeios que, quando recebeu o telefonema de Carlos Leal, não quis nem acreditar. “Muitas coisas aconteceram desde o dia do convite até aqui, inclusive a pandemia. Algumas pausaram, outras frearam o processo, mas, enfim, ele vai sair”, comemora.

Loló tinha a opção de cuidar da parte gráfica também, mas achou bom que houvesse um distanciamento, e ela está a cargo do designer e também artista Marcelo Drummond, mineiro, de Belo Horizonte, o que permite que ela acompanhe tudo de perto. “A oportunidade de que essa etapa seja feita por um artista gráfico bastante experiente e que tem uma leitura diferente da minha deixa o trabalho ainda mais rico”, diz.

O texto também tem peso de ouro e será assinado pelo do professor, curador e crítico de arte Agnaldo Farias, que acompanha o trabalho da artista desde quando ela tinha menos de 20 anos de idade. “Ele conhece o que faço desde que ganhei o Prêmio Chamex, no Instituto Tomie Ohtake, do qual ele fez parte da curadoria. É muito importante, porque há uma relação afetiva entre a gente”.

Por falar em curadoria, no livro de Loló é ela quem está à frente desse processo, embora as conversas com o editor sejam constantes. “Ele às vezes me fala: não dá para entrar tudo. E nem é essa a minha intenção. Esse livro é um recorte de mais de 20 anos de pintura. A ideia é que ele mostre a minha trajetória, tem que ter um pouco de cada série, mas é o texto do Agnaldo que vai apontar o que vai e o que não vai entrar”.

O trabalho de revisitar tantas obras tem sido revelador. Algumas delas estavam guardadas somente na memória de Loló e, revê-las, têm exigido uma operação de ir atrás de quem as comprou e tê-las próximas novamente para serem fotografadas. Em Belo Horizonte, esse trabalho está sendo feito por Daniel Mansur e, no Rio e São Paulo, por Rômulo Fialdini “Me encontrar de novo com essas pinturas faz com que me coloque em análise, já que me dá um panorama geral de tudo que já fiz e isso é muito intenso. Tem muita coisa que eu não lembrava. É muita emoção, você não se reconhece em todas elas. Já estou em outro momento”, explica.

É por produzir instintivamente, com liberdade, sem saber exatamente a razão e sim o sentimento de prazer que lhe dá cada pincelada, ou cada composição cromática, que ela tem se surpreendido nesse movimento de revisão das obras. “Faço o que dá vontade e não sei nem muito bem o porquê. Com 17 anos eu pintava prateleiras, até mesmo como exercício de observação. Eu ia na casa das pessoas, via prateleiras que me encantavam, fotografava e depois pintava”, lembra. Hoje, seu interesse pelo que fazia está mais amadurecido. “Dá vontade de retomar com essa fase de alguma forma, com a consciência que tenho hoje”. Loló diz que tem descoberto que muito do que faz hoje já estava presente em sua pintura lá atrás. “É interessante esse distanciamento”, analisa. Interessante também é que o afeto nunca deixou de existir em suas obras.

E porque o retrato é uma constante no trabalho de Leonora Weissmann? Ela adianta que o livro vai trazer uma entrevista feita pelo designer Júlio Abreu e pelo poeta e historiador Ronald Polito, na qual eles também levantam essa questão. “Eu sempre me perguntei também. Acho que, primeiramente, para mim é o que mais me dá prazer em fazer. É inesgotável. Eu comecei a pintar me olhando no espelho e fazendo esse exercício de observação. Não parei mais”, revela. “Também está diretamente ligado ao fato de minha mãe ser retratista e de eu conviver em casa desde pequena com muitos retratos, feitos por outros artistas. Quando pequena, eu me lembro a atração que essas pinturas exerciam em mim. Passava por elas à noite, sentia medo e, ao mesmo tempo, não conseguia parar de olhar”.

Ainda bem que nem mesmo a pandemia conseguiu afugentar de Loló o prazer da produção artística. Desde março do ano passado, ela tem trabalhado incansavelmente e o fato de seu ateliê ser em casa colaborou decisivamente para isso. Além da pintura, tem desenvolvido outros projetos voltados para a arte e para o design gráfico, como capas de CDs e ilustrações para publicações. Sua energia inesgotável renova-se principalmente quando está retratando os próprios filhos. “Eu planejava pintá-los pelo menos uma vez por ano, mas acabou que faço muito mais, desde bebezinho”. Se quando retrata alguém, Leonora Weissmann diz que é como se fizesse um carinho, imagina quando está pintando os próprios filhos? “Nem eu sei definir esse prazer”, finaliza.

Fotos: Alexandre Fonseca

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