Alívio

Esqueça o óbvio. Projeto do nada convencional do escritório Tetro viabiliza uma casa em meio a um terreno de densa vegetação sem tirar uma árvore sequer de seu habitat.

Insta: @tetroarquitetura

Em tempos de crise ambiental, respirar é um desafio. Parar para respirar, então, é um desafio global, dado o estado de ansiedade permanente em que vive a sociedade da informação.  Uma ação simples e complexa, que fazemos sem perceber e que, de certa forma nos assombra em um momento como o atual, com pessoas utilizando respiradores para tentar sobreviver à pandemia causada pela Covid 19. Não fosse isso, nem pensaríamos muito no assunto, mesmo com dados de que a poluição do ar seja a causa de 2,2 milhões de mortes por acidente vascular cerebral a cada ano, segundo a OMS.

Em meio a desmatamentos criminosos, em pequena ou extensa escala, eis que observo um escritório de arquitetura, com sede em Belo Horizonte, chamado Tetro, que de cara surpreende pelo trabalho que executa, mas que, num segundo momento, encanta por outras peculiaridades. Os arquitetos Carlos Maia, Débora Mendes e Igor Macedo trabalham para a humanização e eficiência dos espaços que projetam, mas fazem muito mais do que isso. Certamente são três profissionais que aproveitam intensamente as 20 mil vezes por dia que cada um de nós, humanos, respira.

E porquê começar um texto falando sobre respirar, se o assunto aqui é a Tetro, em particular um dos projetos do escritório? Porque além de muito inspirador, tudo aqui está intimamente ligado a essa ação tão genuína. A casa em questão, cuja obra está para ser concluída em maio deste ano, batizada de Açucena, nome de uma planta tropical que produz uma flor imponente, é um convite a essa reflexão.

Assim como nas outras obras da Tetro, há um passo a passo quase artesanal até a conclusão do projeto, o que não foi diferente na residência em questão. A demanda do cliente, que possuía um terreno intensamente arborizado, era conseguir construir sem incomodar as espécies nativas de alto porte que estão por toda parte. E foi assim que teve início um trabalho minucioso, primeiro com visitas ao local para tentar entender questões como a incidência do sol, o posicionamento das arvores, a topografia e, mais que isso, para que os arquitetos pudessem introjetar o terreno e, sim, respirá-lo. A ideia do escritório é que o projeto nunca parte de uma referência e sim do entendimento do terreno e também do programa. “Procuramos sentir o que o terreno quer dizer, o que deve realmente ser valorizado. Depois disso, uma conversa detalhada com o cliente determina o programa a ser seguido”, comenta Carlos.

O arquiteto explica que, após essas etapas, o primeiro desenho é solto. Pode ser em aquarela, por exemplo, e as conversas ainda são vagas entre ele e seus sócios. Diferente do que muitos escritórios costumam fazer, Carlos, Débora e Igor constroem uma maquete física, onde podem ter uma visão clara da topografia do lugar, da disposição das arvores que, no escritório, ficam ali, na frente deles, representadas milimetricamente por grandes palitos de madeira fincados no isopor. Todas elas. A busca por soluções que possam deixa-las em seu santo sossego começa com a ideia de que o carro não pode entrar no terreno. Logo, a garagem deve ser bem na entrada. O programa é transformado em bloquinhos de isopor dimensionados, que vão sendo experimentados em diferentes ângulos pelos arquitetos, para explorar principalmente os vazios que essa ação permite. “Vendo a maquete, a gente começa a entender coisas que são fundamentais. Só depois passamos tudo para o computador, mas sem perder o contato com a maquete, com um elemento palpável. É completamente diferente de iniciar um programa no Autocad.”, explica Carlos.

E é olhando para a maquete, que ele vai detalhando como o projeto foi concebido, valendo-se dos mencionados vazios que, além de manter as árvores, permitiram também que a natureza se incorporasse à construção. É bom deixar claro que, em qualquer projeto criado pelos arquitetos da Tetro, o que não é construído é tão importante quanto o que é edificado. E assim, a Casa Açucena vai tendo seu projeto desmembrado, moldado ao terreno e à vegetação e não o contrário, permitindo um contato amplificado com a natureza.

Da garagem em primeiro plano para quem chega da rua é feito o acesso para o nível abaixo, o pavimento onde a casa praticamente toda acontece. Ficam aí a área de serviço, o espaço gourmet integrado por panos de vidro a um deck, que também dá acesso à piscina. É também nesse nível que uma outra ampla porta de vidro integra a varanda ao estar, que se une ainda a um ambiente que conforma um escritório aberto, em espaço intermediário às duas suítes. Internamente, é possível dizer que os ambientes são convencionais, mas em relação à casa, eles são rotacionados, lembrando uma flor branca no meio da paisagem.

Perfazendo um total de 450m2 de área construída basicamente em concreto e vidro – sendo as paredes em concreto pré-moldado – a casa Açucena ganhou aberturas zenitais em balanço, que fazem a comunicação visual com a copa das árvores, permitindo um aspecto cenográfico aos ambientes. O elemento natural entra no espaço construído não só por essa visão proporcionada por essas aberturas, mas também porque algumas árvores foram abraçadas pela obra e convivem com as áreas internas. No andar inferior, que tem acesso por uma escada em caracol, ficam o quarto de hóspedes e um espaço ateliê, pedido pelo proprietário.

Pintados de preto, os pilares que sustentam a construção chegam a ter 9m de altura e acompanham os troncos em um ordenamento nada óbvio, como não é a forma orgânica da piscina. Assim, a casa parece voar. Inspira e expira poesia e ainda deixa que a natureza respire sem tormentos já que, no final das contas, não precisou tirar uma árvore sequer de seu habitat original.

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