Ação no início, no meio e sem fim

A CASACOR Minas tem influenciado o morar de muita gente. Para entender melhor, só conhecendo um pouco de João Grillo

Insta: João GrilloCasacor Minas

Tem um verso do poeta Mia Couto que diz que ‘não viver é o que mais cansa’. Para falar do multi João Grillo, só dá para imaginar que, se assim for, está explicado porque ele nunca se esgota em uma ação, ligando-a a outra e mais outra e outras tantas que vão surgindo pelo caminho. Arquiteto e irrequieto, a tradição de estar atrelado a algum acontecimento talvez seja algo familiar para ele. Junto ou separado os irmãos, os eventos fazem parte de sua vida desde a adolescência. Podiam ser na rua onde moravam, no grêmio da escola, nos shows que já produziu. Aos 18 anos, quando saiu de Belo Horizonte para fazer faculdade no Rio de Janeiro, João Grillo não demorou a se enturmar como sócio estudante do IAB, que começou a frequentar ativamente e a participar na produção do que viesse, fosse ela ligada à arquitetura, ao samba ou à música de modo geral.

A volta para Belo Horizonte foi motivada pelo trabalho, quando foi convidado para assumir o detalhamento interno do Minas Centro, que estava sendo construído na época. Lá, foi encarregado de outras atividades, entre elas a de gerente de operações da instituição. E, como na capital mineira ele também circulava no IAB local, foi grande a sua influência e atuação para a realização do Congresso Brasileiro de Arquitetura, em 1986, um sucesso na época, com a presença de 5.500 arquitetos. Nesse mesmo período fazia, entre outros eventos, o que se chamava Almoço com os Arquitetos e inventou o prêmio Gentileza Urbana. Como ele diz, ‘tudo foi acontecendo naturalmente’.

Aconteceu também nesse tempo, dele montar, junto com o irmão, Antônio Grillo e Dante Lapertosa Neto, ambos arquitetos, a Oficina Cerâmica Terra, que depois ele assumiu sozinho e que se transformou na Terra Tile, que está sob seu comando até hoje, na tranquila rua Outono, no bairro Anchieta (essa história tem detalhes tão incríveis que vai render outra matéria).

João Grillo era também um dos organizadores do Grupo AD, que tinha como função patrocinar eventos do IAB, AMIDE e ABD, além de organizar congressos de arquitetura no interior de Minas, em cidades como Montes Claros, Uberlândia e Divinópolis. “Era muito bacana porque, além de organizarmos uma exposição com o trabalho dos arquitetos locais, realizávamos várias palestras, levando convidados de São Paulo e do Rio”, lembra. Entre as ações especiais do grupo estava o aluguel, por quatro anos seguidos, de um Fokker 100, avião comercial bimotor a jato de médio porte, para levar arquitetos e decoradores para visitar a CASACOR São Paulo, no comecinho da sua história, há 30 anos.

Foi nessa sequência de visitas e contatos que João Grillo e Ernesto Lolato, dono da La Lampe, resolveram trazer para Belo Horizonte a franquia da CASACOR em Minas. Juntos, eles já assumiam diversas atividades como excursões para a Feira de Milão, na Itália, visitas a Nova York e outros lugares. “Não era fácil como hoje em dia. Há 30 anos ninguém sabia como ir ou onde ficar e mesmo o que ver, e nós rompemos essas dificuldades fazendo a viagem em grupo”, explica.

CASACOR Minas, um capítulo à parte

A primeira edição da mostra em Belo Horizonte aconteceu na sede do Arquivo Mineiro, um evento que até hoje é considerado por João Grillo como o mais importante que eles fizeram. Vieram muitas outras, mas o desafio inaugural teve um sabor diferente, atrelado ao fato de ter um arquiteto à frente, um diferencial dos outros estados. “A casa, construída para receber a comissão construtora de Belo Horizonte, foi também a primeira sede da prefeitura e estava fechada há 40 anos quando entramos nela”, rememora.

A realização se tornou viável pelos relacionamentos alinhavados na época. Entre eles, João lembra de Jurema Machado, presidente do IEPHA. “Ela acreditou na gente e na CASACOR, que poderia contribuir para a cidade como contribuiu e tem contribuído. Foi um evento lindo, a casa foi mantida exatamente como estava. Na sala principal, o José Eduardo Haddad (Marie Camille) emprestou um tapete enorme, que cobria todo o piso”

João Grillo e Ernesto Lolato contatavam com um time de primeira linha que incluía Carico (José Alexandre Dumont), Freuza Zechmeister, Bernadete Correa, Denise Vilela, Marcia Carvalhais, entre outros, todos abraçando a ideia de contribuir para a casa. João lembra também do empresário Alexandre Gribbel e da então Construtora Gribbel, responsável pela reforma do telhado.

“Realizar a primeira CASACOR Minas ali foi muito importante e impactante. O passo a passo do que era feito sempre foi acompanhado pelo IEPHA. Isso de mostrar um imóvel importante para a cidade, revelando, ao mesmo tempo, a contribuição que ele poderia oferecer a ela era muito envolvente”, lembra. Esse começo foi tão marcante que, das 26 edições realizadas até hoje, quase 20 foram feitas em imóveis tombados ou com indicação de tombamento.

Para muita gente que acompanha a trajetória da CASACOR Minas, fica a curiosidade de saber como os imóveis onde cada edição é realizada são descobertos. “Alguns, nós descobríamos andando pela rua e outros, o próprio IEPHA indicava”, explica João Grillo. É o caso da mostra memorável, realizada na Casa do Conde de Santa Marinha, imóvel que pouquíssimas pessoas conheciam até então e que foi uma indicação do arquiteto Flávio Carsalade, à época presidente do IEPHA. O sucesso foi tanto, que o Jornal Nacional, da Rede Globo, dedicou um quadro inteiro para falar do evento. “Foi muito impressionante. Depois disso, a fila para entrar na Casa do Conde era enorme. Todo mundo queria conhecer o lugar.”

“A CASACOR Minas sempre abraçou a cidade e a cidade sempre compreendeu isso e sempre participou das edições com muito envolvimento”, comenta João Grillo. Esse envolvimento não está somente relacionado ao público crescente a cada ano, mas aos patrocinadores, que somam uma média de cinco a seis empresas e construtoras em cada uma delas.

Influência marcante no morar

Até os anos 1960, haviam pouquíssimas pessoas fazendo decoração de interiores. Logo depois, um hiato prosseguiu até a década de 1990, quando a profissão era praticamente inexistente. “Os arquitetos projetavam casas e prédios e, depois as pessoas ‘mobiliavam a casa’, essa era a ideia”, comenta João Grillo, lembrando que o decorador existia, mas para mudar alguma coisa no layout de uma sala, por exemplo, para uma festa de 15 anos ou qualquer outra comemoração importante.

Coincide com o início da CASACOR em Belo Horizonte uma profunda mudança de comportamento nesse sentido. Mas seria mesmo uma coincidência? “Até então, a cidade nunca tinha visto uma iluminação de efeito, que antes se resumia a um lustre no centro da sala ou do quarto. Não havia luz embutida e outros detalhes que a CASACOR apresentava para um público cada vez maior. Ao mesmo tempo, as revistas especializadas faziam a cobertura do evento e tinham um farto material em imagens para matérias”. João Grillo lembra ainda que, na Belo Horizonte do final dos anos 1990 havia um grande volume de imóveis de luxo e, a partir da experiência vivida na mostra, todo mundo começou a sentir a necessidade de re-decorar a própria casa.

O primeiro impacto da CASACOR levou muitas pessoas ao exagero no décor, com lâmpadas, cortinas, tapetes e adornos em profusão. Outro fato interessante é que com a pouca oferta de móveis diferenciados no mercado, eles começaram a ser desenhados e detalhados nos escritórios. Reedições do que Sérgio Rodrigues, Jorge Zalszupin ou Paulo Mendes da Rocha fizeram até os ’60 só vieram bem depois. “Tudo era desenhado, a marcenaria era construída e o que formou uma mão de obra em Belo Horizonte nesse sentido foi muito importante”, comenta.

No primeiro momento, a casacor impactou as classes mais altas, não só nas residências, mas também nos escritórios e consultórios médicos. Só no comércio, a arquitetura de interiores já mostrava sua cara, com nomes como Carico e Cid Horta, que se tornaram referência (outra matéria que o Tendências vai focar em breve).

Percurso

Depois de 20 anos realizando a CASACOR Minas junto a Ernesto Lolato, João Grillo começou a trabalhar com a irmã, Juliana Grillo e Eduardo Faleiro, que nos últimos três anos assumiram a direção do evento. “A cada edição eu ainda participo do planejamento inicial, mas hoje cuido de outros negócios dentro da Multicult, empresa realizadora da CASACOR Minas, que tem aberto muitas outras frentes”. diz.

Entre elas, está o restauro, em andamento, do Casarão da Rede Ferroviária Federal, onde o evento foi realizado nos anos de 2017 e 2018, com patrocínio da VLI! O projeto de restauro da Santa Casa, que está para ser aprovado pela Lei Rouanet e projetos para ocupar o Palácio das Mangabeiras, sede da CASACOR Minas em 2019 e este ano, com uma série de eventos, já que o contrato firmado com a Multicult é de quatro anos. (Isso também é material para textos futuros do Tendências!). Por enquanto, o momento é de comemorar o sucesso da CASACOR Minas até os dias de hoje, nesse resumo nem tão breve, que mostra um pouco da trajetória do arquiteto e empresário João Grillo, cuja vida está atrelada a essa história desde o comecinho.

FOTOS DO ACERVO PESSOAL DE JOÃO GRILLO

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