Pouco visitada por causa da pandemia, exposição Minas/Itália: Construção da Modernidade, que aconteceu entre dezembro de 2020 e janeiro deste ano no CCBB BH é um trabalho que evidencia fendas e vazios que nem mesmo o discurso oficial consegue esconder
Insta: CCBB BH
Os mundos das artes, dos museus e do patrimônio se apresentam como lugares profícuos para a percepção em torno da nossa condição humana de atribuir valores e sentidos à cultura material, sobretudo para o concatenamento de distintas narrativas do tempo e espaço em que as experiências humanas se dão.
Para narrar isso em imagens, escolhemos a exposição Minas/Itália: Construção da Modernidade, ocorrida entre dezembro de 2020 e janeiro de 2021 na sede do Centro Cultural Banco do Brasil em Belo Horizonte. Uma experiência de curadoria e expografia que metaforiza, performatiza, transforma e preenche a face e o avesso do mundo real – não no sentido concretista do cubo branco – preciso, oficial e cheio de si – mas da honestidade estética incerta e imprecisa – bordejo da vida – que a mostra optou para o seu conceito expositivo.
Através de uma proposta que almeja um diálogo a partir do contraste, a exposição, sob curadoria de Leonardo Barci Castriota e Augusto Nunes-Filho, trouxe para três salas térreas da antiga Secretaria de Interior e Justiça do Estado de Minas Gerais, atual CCBB-BH, uma coletânea de fotografias realizadas pelo fotógrafo mineiro Daniel Moreira em grandes formatos, de edifícios e seus detalhes, projetados por arquitetos ítalo-brasileiros em Belo Horizonte.
A proposta, que superficialmente se restringiria apenas ao discurso hegemônico de um mito fundador – uma cidade construída por mãos ítalo-brasileiras – narra em meio à discursividade estética do seu desenho expositivo as fendas e os vazios que nem mesmo o discurso oficial consegue esconder. Ao longo do percurso, placas de madeira polida apresentam a exuberância e requinte do trabalho de Daniel Moreira, ao passo que também são lidos enquanto frágeis tapumes, compostos conjuntamente a andaimes e abraçadeiras que sustentam a face e o avesso do real, são como estruturas ósseas de delgada carne e pele dos espaços representados.
Adentrando a metáfora corpórea, esta proposta expográfica buscou apresentar aos seus visitantes um indicativo do que há nas entranhas dessa pele que a fotografia captura. Almeja trazer uma reflexão crítica acerca da constituição física desses ambientes construídos retratados, desde seu processo construtivo e agentes operantes à sua materialidade. De uma maneira simbólica, os andaimes que sustentam as sofisticadas fotografias apontam, metaforicamente, para o contraste entre o grupo daqueles que produzem essas arquiteturas com o grupo que as consome.
Além do mais, inserido no contexto interior das três salas protegidas pelo IEPHA, fundação vinculada à Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais que atua no campo das políticas públicas de patrimônio cultural, as escolhas expográficas exacerbam o contraste, valorizando mutuamente tanto o espaço interior deveras preservado, formado por uma composição de piso de madeira finamente trabalhado, forro adornado e belas esquadrias em madeira e vidro, quanto o aspecto bruto, desgastado e recém-manuseado dos andaimes metálicos, seus tapumes e abraçadeiras.
Por fim, a composição da exposição Minas/Itália: Construção da Modernidade, vista por tão poucos em detrimento do confinamento pandêmico, atinge o seu primor ao analisarmos as fotografias feitas por Moreira, além das panorâmicas que retratam os edifícios em sua inserção contemporânea, todavia trazendo um ar de fotografia histórica, o que salta aos olhos são os detalhes das edificações: elementos e pormenores da construção civil que, ao serem fotografados perspicazmente utilizando do contraste entre luz e sombra, nos remete a objetos dispostos em mesas ou pendurados em parede, fruindo em um jogo de escalas, o que exige um olhar atento do observador para a compreensão múltipla que é possível ser feita sobre a face e o avesso do real.
*Lucas de Vasconcellos é museólogo e produtor cultural. Atua em projetos de exposições e gestão de coleções artísticas. Atualmente desenvolve estudos sobre arte contemporânea e metodologias curatoriais como mestrando do Programa de Pós-graduação em Artes da Escola de Belas Artes da UFMG.
João Pedro Otoni é arquiteto e urbanista, pesquisador em Patrimônio Cultural. Sua atuação esteve sempre ligada a projetos de pesquisa e extensão voltados para áreas culturais, de memória e sustentabilidade. Mestre e doutorando pela Escola de Arquitetura da UFMG, onde aprofunda os estudos sobre os discursos autorizados do Patrimônio em Minas Gerais.
Fotografias: Daniel Moreira
Imagens de vista da exposição: João Pedro Otoni